terça-feira, dezembro 16, 2014

A TAP: do abstracto ao concreto

Sou, desde há muitos anos, defensor em abstracto da privatização da TAP, não me parecendo existam, nas condições em que se tem vindo a transformar o transporte aéreo, razões de fundo para manter a TAP nas mãos do Estado. Isto, independentemente da possibilidade ou impossibilidade legal do Estado poder injectar dinheiros públicos na companhia ou de tal privatização fazer ou não parte do "Memorando de Entendimento", terreno por onde tem grassado a maior demagogia.

Mas tendo dito isto, e passando agora ao concreto, que é o que mais interessa, tenho as maiores reservas para com "esta" privatização, não só pelo péssimo registo de privatizações apresentado por este governo (na verdade, e maioritariamente, vendas ao Estado Chinês e à cleptocracia angolana de sectores estratégicos da economia nacional), como pelo perfil dos compradores que até ao momento se perfilam para a transportadora. 

Face a este meu dilema, não vou, portanto, cerrar fileiras com os "falcões" do governo contra os sindicatos da TAP, que defendem, como aliás é legítimo e lhes compete, os seus postos e condições de trabalho. Mas também não irei "rasgar as vestes" pelos que juram e tresjuram pelo papel indispensável da TAP nas salvação da pátria ou da "portugalidade", seja lá o que isso for. Mas lá que olho com enorme desconfiança e criticismo para o que se está a passar, tal é coisa que não posso deixar de afirmar. Além do mais, parece-me o governo e os seus "falcões" mediáticos estarem a tentar transformar este assunto num braço de ferro ideológico, o que nada favorece uma decisão sensata e afasta aqueles, como é o meu caso, para quem a privatização da TAP nunca seria um campo de batalha. Mas claro que vendo aqui, na luta anti-sindical em que transformou o negócio da TAP, uma boa hipótese de vitória, o governo nunca hesitaria em travar esta batalha, mesmo que com o habitual recurso à demagogia mais rasteira do tipo "os emigrantes coitadinhos que não podem vir passar o Natal com os seus". Esqueceu-se o governo de quem os mandou emigrar. 

4 comentários:

Queirosiano disse...

A mim ninguém me mandou emigrar, mas devo dizer que suporto há demasiado tempo as tropelias da TAP, muitas vezes sem hipótese de alternativa. Teria muita coisa a dizer a este respeito.
Nem a qualidade do serviço, nem o tão propalado "interesse estratégico", que tenho dificuldade em entender, me parecem justificar a manutenção de uma companhia estatal que não é melhor nem pior (eu diria que é pior) que a média dos privados que conheço, entendendo-se também por privados todos os que, da Lufthansa à British Airways, fizeram a reconversão sem os psicodramas habituais em Portugal e se adaptaram à realidade em que vivemos.
Em Portugal, mais uma vez politizou-se uma escolha - discutível como todas as escolhas, mas legítima - que deveria ser de mera racionalidade económica. O Governo aproveitou a contestação politizada para fazer músculo (mas poderia ser de alguma outra forma, com qualquer outro Governo?), a contestação invoca, para não revelar o verdadeiro motivo que é a pura contestação política ou corporativa, argumentos de patrioteirismo. Ocorre a velha frase de Samuel Johnson, "o patriotismo é o último refúgio dos canalhas", que de facto tem sido sistematicamente invocado no nosso país à falta de argumentos minimamente atendíveis e a propósito de tudo e mais alguma coisa. E em todos os quadrantes políticos.
Palpita-me que a TAP irá acabar como a SABENA, numa apagada e vil tristeza de companhia regional.
Há muita e boa gente que tudo tem feito para que isso aconteça.

JC disse...

Durante mtºs anos, viajei bastante por motivos profissionais. Tb em turismo, mas tal não vem agora ao caso. E, devo dizer, sempre escolhi voar na companhia cujo horário fosse mais compatível com as minhas necessidades, desde que segura. Apesar disso, cheguei a acumular milhas para usar em voos TAP, pelo que tenho experiência suficiente de voar na companhia, em executiva e turística. Devo dizer que nunca notei grande diferença entre a TAP e demais, para pior ou melhor. Tb não devo ser mtº exigente: uma companhia aérea serve para me levar de um sítio para o outro sem me incomodar demasiado ou causar chatices. Agora, reformado, viajo preferencialmente nas low cost", que cumprem perfeitamente o que delas exijo. Mas tenho filhos e genros que viajam bastante em trabalho e pelo que sei a opinião é mais ou menos igual à minha: excepto as companhias orientais, é tudo mais ou menos igual. Para terminar: este assunto da TAP já devia estar resolvido há 20 anos, mas, para o bem e para o mal, os portugueses (eu sou excepção)têm uma relação demasiado emocional com a companhia. Abraço.

Queirosiano disse...

A meu ver, a degradação começou a partir do momento da liberalização do transporte aéreo. O facto de à frente da TAP estar sistematicamente gente de nomeação política também não terá ajudado.

Houve um período, longo, em que fiz voos com escala, a título pessoal ou profissional, para evitar a TAP, que propunha voos directos. E os meus voos com escala, por Zurique ou Frankfurt, saíam mais baratos.

As coisas melhoraram um pouco a partir da nomeação de Fernando Pinto, mas parece-me que o tempo perdido já tinha sido demasiado. Houve ainda uns fogachos que melhoraram um bocado as coisas, mas a desorganização que se tinha instalado voltou à superfície. A desordem a que se assistiu no Verão passado foi apenas, de forma mais exponenciada e mediatizada, a expressão do que se vinha passando regularmente desde há 2/3 anos. O descrédito que a companhia ganhou, junto de estrangeiros com quem lido, devido às greves e ameaças de greve, tem aumentado.

Não vejo verdadeiramente possibilidades de, no quadro actual, travar esta espiral descendente. O que aflige mais é que as pessoas supostamente responsáveis parecem mais interessadas em ganhar a discussão do que em resolver o problema.
O tempo tratará de o resolver por si.

JC disse...

Tem razão quando fala na liberalização do transporte aéreo: mudou tudo mtº depressa (e bem) e os pressupostos em que assentava a TAP como "companhia de bandeira" deixaram de existir. Depois cruzaram-se interesses políticos, a cobardia de tomar uma decisão em relação a uma empresa com a qual a maioria dos portugueses tinha uma relação emocional e agora, desgraçadamente, um governo movido pelo radicalismo ideológico. Mas, como disse, a minha opinião sobre a TAP não difere da mesma sobre outras companhias europeias, não considerando portanto que a TAP ofereça nesse aspecto algum "plus" aos portugueses e ao turismo que justifique o tal "serviço público".