quinta-feira, julho 26, 2012

Do "manicómio em auto-gestão" ao laboratório do Dr. Frankenstein

Lembro-me, no chamado Verão Quente de 75, quando em Portugal tudo mudava diariamente ao sabor de mais uma manifestação ou de uma qualquer afirmação, mais ou menos radical, de um também qualquer pensador, escritor ou filósofo de visita, normalmente ligado à chamada "esquerda festiva", de se afirmar que o país se tinha transformado num manicómio em auto-gestão. Era o tempo da "via portuguesa para o socialismo", da "experiência portuguesa", dos SUV, das "armas em boas mãos", da "sociedade sem classes" (proposta também pelo CDS, em que todos seriam proprietários) do "socialismo sim, ditadura não", do "último a sair que apague a luz" e lembro-me eu sei lá mais do quê. Mas, no fundo, existia em tudo isso uma naiveté que, se acabava por nos envolver e se tornar entusiasmante, acabava também, por via disso, por definir os próprios limites da sua validade temporal e da sua exequibilidade: sabíamos que, mais mês menos mês, para um lado ou para outro, da democracia ou de uma qualquer ditadura, tudo acabaria por se resolver e a normalidade regressaria.

Lembrei-me disto hoje a propósito das inúmeras propostas, muitas delas a roçar o delirante e até incompatíveis entre si ou com os objectivos propostos, agora já não de filósofos, pensadores ou ensaístas políticos sonhadores, mas de organizações tidas por social e cientificamente responsáveis como o FMI, UE, OCDE e BCE, para a economia portuguesa. Não direi que estejamos de volta ao "manicómio em auto-gestão" do ano de 1975, até porque a apatia, quase uma paz de "zombieland", substituiu o frenesim e a actividade fervilhante de então. Mas direi que Portugal mais parece um daqueles laboratórios onde, em inesquecíveis filmes "série B" dos fifties, cientistas loucos efectuavam estranhas experiências que, uma vez falhadas, davam origem a monstros e criaturas bizarras que acabavam por se voltar contra o seu criador e, até, ameaçavam pôr em perigo toda a humanidade. O problema, o problema mesmo, é que desta vez, ao contrário do que acontecia em 74/75, não sabemos quando ou como regressará a normalidade, ou mesmo  qual será o seu aspecto e se tal coisa ainda existe no nosso horizonte.

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