sexta-feira, maio 04, 2012

Grande distribuição: "margem de lucro", confusão de conceitos ou demagogia à solta.

Desde ontem que oiço e leio repetidamente que a grande distribuição e, em particular, a cadeia "Pingo Doce" praticam "margens de lucro" superiores a 50%. Não é preciso nunca ter trabalhado na grande distribuição, ou mesmo na pequena, como acontece comigo, para concluir que se trata de um enorme disparate, fruto de uma total ignorância geradora de ainda maior confusão de conceitos. Quando vejo referidas tais "margens de lucro", aquilo que está em causa é bem outra coisa: a chamada "margem bruta" ou, em inglês, "gross profit". Vou explicar:

Se uma empresa (qualquer uma) compra um produto por 50, por exemplo, e o vende por 100 a sua "margem bruta" é calculada subtraindo ao preço de venda o preço de compra e dividindo o resultado apurado por aquele. Ou seja, no exemplo apresentado: 100-50=50:100=0.5 (50%). Portanto, neste caso a sua margem bruta será de 50%. Se comprou 100 unidades, isso significa que despendeu 5 000 (€, por exemplo) e arrecadou 10 000 com a venda, gerando um "lucro bruto" ("operating profit") de 5 000.

Ora acontece que estamos apenas a falar de "margem bruta" e "lucro bruto" (acho o termo "operating profit" mais rigoroso) já que, com os meios assim gerados, a empresa irá ter ainda que pagar todos os seus custos fixos e variáveis, como, por exemplo, custos com pessoal (salário - incluindo segurança social -, subsídios, bónus e outros), despesas de promoção e publicidade, transportes, manutenção, rendas, energia e comunicações, quebras e perdas de produtos, seguros, juros e amortizações e por aí fora até chegarmos, por fim, aos inevitáveis impostos. Isto significa que de uma "margem bruta" de 50%, ou mais, se pode facilmente chegar a um "lucro liquido", antes ou depois de impostos, que nem de perto nem de longe se aproxime dos tais 50% de "margem bruta". Aliás, e aqui falo da minha própria experiência, é relativamente comum também empresas fabricantes e produtoras trabalharem com "margens brutas" que, em alguns produtos, podem mesmo chegar aos 70 ou 80% (até mais), sem que isso se reflicta directa e necessariamente nos respectivos lucros antes ou depois de impostos. Aliás, tal resultado depende ainda da forma como são "alocados" os "custos fixos" da empresa a cada um dos produtos vendidos, mas não vale a pena entrar em questões mais complexas. Não conhecendo "por dentro" a grande distribuição, estou quase certo o caso não será muito diferente, até porque parte relevante do seu negócio é financeiro, recebendo dos clientes "a pronto" e pagando a fornecedores a 90 ou mais dias.

Tendo dito isto, resta um problema importante: estamos num sector pouco concorrencial, onde existe um claro oligopólio do lado da oferta, com Sonae o Jerónimo Martins, conjuntamente, a ultrapassarem largamente os 50% de quota de mercado. Mas isso são já "outros quinhentos", a que os governos e Autoridade da Concorrência deveriam estar bem mais atentos.

2 comentários:

Anónimo disse...

Concordo.

Se bem me recordo, o grupo Jerónimo Martins adquiriu a cadeia de supermercados alemã Plus que praticava os preços mais baixos no retalho.

A quando da aquisição, a Autoridade da Concorrência nada obstou. E foi pena, porque não só se perdeu o supermercado mais barato, mas também se formou o referido oligopólio.

Quanto às referidas campanhas publicitárias e aos super descontos, estes não podem ser censuradas ou proibidas num modelo de livre mercado.

Outra coisa é fazer "dumping".
Nesta matéria não consigo compreender as razões pelas quais se permite a países como a Holanda, membros paritários de União Europeia, praticarem "dumping" fiscal aliciando empresas de outros países da União, como a Jerónimo Martins, a pagar ali os seus impostos por riqueza produzida por portugueses e em Portugal, impostos que tanta falta fazem aos cofres públicos, sobretudo quando um país com um grave problema de dívida soberana. E não é só a Jerónimo Martins com uma caixa de correio na Holanda para pagar impostos.

Uma União assim, não vai a lado nenhum. Os países economicamente mais débeis e periféricos acabarão vitimizados pelas economias mais poderosas e aliciantes

JR

JC disse...

Pois, essa questão da harmonização fiscal, que v. mtº bem foca, é um sério problema da UE. Sem dúvida.