domingo, janeiro 22, 2012

O "Provedor do Povo"

Em parte alguma da Constituição da República Portuguesa se pode ler ou interpretar de entre as funções do Presidente da República ser ele um "provedor do povo" (seja lá o que isso for). Ao assumir-se como tal, inventando para si novas funções, ampliando as constitucionalmente consagradas, está portanto Cavaco Silva a desrespeitar a Constituição que jurou defender, o que é grave. Pior e mais grave ainda: ao fazer esse apelo ao "povo", no seu conjunto e inorgânicamente considerado, pretendendo assumir-se como intérprete da sua vontade, Cavaco Silva deixa-se resvalar para o pior dos populismos proto-fascitas sul-americanos, assim um género de peronismo em que interpretará, talvez, o papel de uma Eva Péron do género masculino. É que não nos esqueçamos: todos os ditadores, nas suas versões "hard-core ou soft-core", governam ou governaram sempre em nome do "povo", daquilo que eles próprios definem como sendo os "seus superiores interesses".

Que as afirmações de Cavaco Silva sejam lamentáveis, escusado será dizê-lo; mas velhos hábitos "die hard". Perigosas, nestes tempos de inquietude e em que a democracia e a política parecem tender a ser substituídas por governos de uma tecnocracia que nunca tem dúvidas e raramente se engana, de certeza absoluta. Mas se estivermos atentos, este género de deriva acaba por ser potenciado por um anacrónico regime dito "semi-presidencialista", que estabelece a eleição directa e por sufrágio universal de um presidente que não governa nem é eleito em função de um programa político, mas sim de um "perfil" ou "personalidade". É esse o verdadeiro "ovo da serpente" que urge esmagar.

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