sexta-feira, julho 01, 2011

Algumas reflexões sobre o novo imposto

  1. Não pondo em causa a necessidade de medidas de emergência para controle do "déficit" público, o que este imposto extraordinário, vindo dos maiores defensores da redução do "déficit" pelo lado despesa e do ataque às "gorduras" do Estado, vem mais uma vez demonstrar, se tal fosse preciso, é que não é possível diminuir de modo significativo e consistente a despesa do Estado no curto e médio-prazo. Ou melhor, é, mas isso terá de afectar necessariamente a grande fatia constituída pelos salários e transferências sociais. A tese dos consumos intermédios, do Estado gordo e por aí fora tem funcionado até aqui apenas como suporte ideológico de um discurso essencialmente propagandístico. Significa isto que no Estado não existem enormes ineficiências, enorme desperdício? Claro que não: será com certeza possível tornar o Estado menos gastador e mais eficiente. Mas não só tal só parece ser possível no longo-prazo, como, por via das enormes dificuldades políticas que tal acção encerra e pressões contrárias a que estará sujeita, bem como dificuldade em controlar uma estrutura complexa, será sempre de êxito duvidoso (o que não significa que não se tente). Mais: sem despedimentos, (de que serve extinguir serviços se os funcionários continuam? - as rescisões por mútuo acordo tem um alcance muitíssimo limitado) ou diminuição do número de funcionários públicos por via da limitação de admissões (neste aspecto, tem havido algum êxito nos últimos anos), as probabilidades de sucesso serão sempre muito relativas.
  2. Segundo o primeiro-ministro, "não se trata de um imposto sobre o subsídio de Natal mas de um valor equivalente em termos financeiros". mais, acrescentou, "o imposto poderá ser aplicado de forma faseada até ao final do ano". Significa isto o quê? Que se trata, no fundo, de um imposto extraordinário sobre os rendimentos sujeitos a IRS e que a menção ao subsídio de Natal apenas aparece como um valor de referência, tal como poderia aparecer um "mês de ordenado", o que acaba por causar alguma confusão. Não esquecer também, por exemplo, que quem mudou de emprego a meio do ano já recebeu uma parte do subsídio de Natal.
  3. Assim sendo, o que poderá ser cobrado até ao final do ano será apenas o valor referente à retenção na fonte dos rendimentos do trabalho dependente, podendo vir a ser cobrado um excesso após a apresentação, na totalidade, dos rendimentos referentes ao ano de 2011. Será isto?
  4. Trata-se, como bem fez notar Vital Moreira, de um imposto não progressivo, ao contrário do que acontece com o IRS, com essa não-progressividade de certo modo atenuada pela isenção de rendimentos inferiores ao salário mínimo nacional. 
  5. Mas então como funcionará tal coisa para os trabalhadores independentes ou em regime livre, vulgo "recibo verde"? Somam-se os rendimentos declarados, divide-se por 14 e aplica-se o imposto? Sendo assim, não haverá, neste caso, retenção na fonte do imposto ou procederá o Estado a acerto futuro? Mas surgem aqui outros problemas...
  • Quem, com rendimentos do trabalho dependente, recebe, além do ordenado, comissões, prémios, bónus e etc, também taxados em sede de IRS? O imposto extraordinário aplica-se também a estes rendimentos? Em minha opinião, sim, mas a menção de PPC ao subsídio de Natal poderá lançar mais e inconvenientes confusões.
  • E quem recebe um ordenado e, simultâneamente, tem uma outra qualquer actividade pela qual passa "recibos verdes"? Poderá estar neste momento a pensar que apenas irá pagar imposto extraordinário sobre os rendimentos do trabalho dependente,isto é, sobre o subsídio de Natal que irá receber.
  • Tratando-se de imposto extraordinário, em princípio não repetível, não haverá tendência para os trabalhadores independentes, nos próximos meses, transferirem, tanto quanto possível, a passagem de "recibos verdes" para o ano seguinte (2012), diminuindo assim os rendimentos sobre os quais o imposto vai incidir?
Bom,  não sendo eu fiscalista, parece-me existir muita coisa ainda por esclarecer, o que me leva a perguntar, não pondo em causa a necessidade e urgência relativa da medida (repito, para que não restem dúvidas), se, primeiro, não deveria ter PPC evitado referências ao subsídio de Natal, com as confusões daí resultantes, e, segundo, se não teria sido bem melhor esperar uma ou duas semanas para, com tudo já melhor estruturado e a maioria das perguntas já com a devida resposta, anunciar a medida. É que espero bem não estejamos perante algo do género "anuncia-se agora e depois logo se vê", com todo o conjunto subsequente de trapalhadas a que tal metodologia costuma dar origem. Cross my fingers.

Nota: Já depois de escrito e publicado este "post" começaram a sair notícias com dúvidas sobre a constitucionalidade deste imposto, em razão de uma alegada retroactividade. Pois... parece que a metodologia "anuncia agora e depois se verá" já começa a dar mau resultado.

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