quinta-feira, março 24, 2011

De equívoco em equívoco até ao desenlace fatal

  1. Quando das manifestações contra as medidas reformistas na área da educação e da saúde, medidas essas protagonizadas por Maria de Lurdes Rodrigues e Correia de Campos e manifestações que tiveram o apoio explícito de toda a oposição e mais ou menos expresso do próprio Presidente da República, tendo chegado mesmo ao ponto de se acusar o Ministro da Saúde de anti-patriotismo pelo facto de bebés irem nascer a Badajoz, transformando-se estes assim, por via do nascimento, em potenciais Miguéis de Vasconcelos, José Sócrates deveria ter-se demitido, assim forçando eleições antecipadas e pedindo a caução do eleitorado para o seu programa de reformas. Não o fez, talvez por demasiado calculismo de curto-prazo e/ou alguma dose de cobardia política. Defendi essa posição aqui no “blog” e, que me lembre, de entre gente com responsabilidades políticas apenas Vital Moreira, que aliás me deu a honra de trocar comigo umas breves impressões sobre o assunto, defendeu posição semelhante. Começou aí o enfraquecimento do governo de José Sócrates e foi esse o primeiro anúncio da sua futura queda.
  2. Em qualquer país democrático e civilizado, o episódio das “escutas”, talvez o mais grave que se terá passado com um titular de orgão de soberania depois do 25 de Abril e certamente o mais grave protagonizado por um Presidente da República em funções, teria sido suficiente para que fosse desencadeado um processo de impugnação do mandato (vulgo, impeachment”) de Cavaco Silva. Mandou a “brandura dos nossos costumes”, a que gosto mais de chamar “falta de rigor” e “deixa andar”, para não ser mais duro e lhe chamar “bandalheira”, que tudo ficasse na mesma e a falta de memória, a que preferiria chamar de “tomates”, dos portugueses e de independência de comentadores e jornalistas, fizesse o resto. Começou aí o caminho para a perda de autoridade de um político medíocre e de carácter questionável a quem os portugueses resolveram, vá lá saber-se porquê, entregar a Presidência da República.
  3. Quando nas últimas eleições legislativas o PS não conseguiu obter uma maioria absoluta de mandatos, face aos problemas existentes deveria o Presidente da República ter tido um papel visivelmente mais activo na formação de um governo maioritário, de preferência que incluísse todos os partidos do chamado “arco governativo”. Deveria mesmo ter falado aos portugueses dando-lhes conhecimento, sempre que necessário, das démarches efectuadas, assim pedindo o apoio dos cidadãos e envolvendo-os e mobilizando-os para todo esse processo. Por calculismo político em proveito próprio, por querer defender o PSD e resguardar Manuela Ferreira Leite, por mesquinhez de carácter e falta de convicções democráticas e visão política, não o fez, empurrando o país para o pântano.
  4. No dia seguinte ao discurso de tomada de posse de Cavaco Silva para o seu segundo mandato, José Sócrates deveria ter de imediato apresentado a sua demissão, alegando total falta de confiança do e no Presidente da República e culpabilizando Cavaco Silva pela impossibilidade de exercer os deveres de governação. Em vez de o ter feito, resolveu baixar o tom crítico dos comentários ao discurso do Presidente da República e entrar num esquema de birras de adolescentes. Vá lá que ainda lhe restou a inteligência suficiente para apresentar, semanas depois, a sua demissão, evitando aquilo que, mais tarde ou mais cedo, se sabia iria inevitavelmente acontecer: a humilhação de se ver demitido.

Com tudo isto, por obra de gente sem coragem nem qualidade, nestes se incluindo muitos dos cidadãos votantes, perdem-se quase dois anos, uns milhares de milhões de euros, hipoteca-se o presente e uma parte do futuro. Fora aquilo que não é assim tão tangível: a confiança nos governantes e nas instituições, em nós próprios e nas nossas capacidades, uma parte da nossa felicidade. Espero, sem grande esperança, se tenha aprendido alguma coisa.

2 comentários:

Anónimo disse...

Parabéns pela lucidez. Subscrevo a 100%.

JC disse...

Thanks!