terça-feira, fevereiro 08, 2011

"Parva Que Sou" ou o desemprego dos jovens licenciados

Para que não restem dúvidas (se as havia).

Não me incluo no grupo dos catastrofistas e “plano inclinadistas” que acham quem sai da escola, mesmo de muitas universidades,quase não sabe assinar o nome. Mais, concordo com os que dizem nunca em Portugal houve tanta gente qualificada e tão qualificada. Reportando-me à área que tem sido ao longo da vida a da minha actividade, basta ver, na geração anterior à minha, quantos directores e executivos de grandes empresas (Bancos, Seguros, multinacionais) possuíam sequer uma licenciatura: muito poucos; excepto nos casos técnicos em que era preciso ser-se engenheiro ou advogado, a maioria teria os antigos 5º ou 7º ano dos liceus, o curso comercial, e os mais inteligente e trabalhadores, os que tinham “mais mundo”, lá iam subindo nas suas carreiras, alguns até posições de topo. Já na minha geração, a que começou a sua vida profissional na segunda metade dos anos 70 do século passado, quantos tinham ou foram frequentar MBAs no estrangeiro? Que me lembre, e reportando-me aos que comigo se cruzaram – e foram, digamos, muitas dezenas - , conto, com algum esforço, um ou dois, se tantos. Hoje, olhando para a geração que tem menos de quarenta anos, e entre os meus filhos e amigos dos meus filhos, agora nos "early 30s", e meus amigos ou pessoas das minhas relações com perto dos 40 anos, raros (raríssimos) são os que não frequentaram universidades estrangeiras, cursos de pós-graduação intramuros ou, no mínimo dos mínimos, não tiveram a oportunidade de estudar um ano "lá fora" ao abrigo do programa Erasmus.

Tendo dito isto - e apesar disto -, a propósito da recente polémica gerada pela canção dos Deolinda “Parva Que Sou” (by the way: gosto muito dos Deolinda e terá sido este o ou um dos primeiros “blogs” em Portugal a divulgar o grupo, no dia 9 de Maio de 2007, já lá vão quase quatro anos), deixo algumas perguntas.

  1. Qual será o país obrigado a criar postos de trabalho suficientes para serem preenchidos pelos milhares de psicólogos, sociólogos, licenciados em “comunicação social”, “marketing e imagem”, “publicidade”, “relações internacionais”, “turismo”, “direito” em universidades ignotas, etc, etc, lançados anualmente no mercado de trabalho?~
  2. Quando optaram por esses mesmos cursos não sabiam o que os esperava, tal como na minha geração quem ia para “letras” sabia quase de certeza acabaria professor?
  3. Serão a grande maioria destes jovens efectivamente qualificados, tanto nas suas áreas de especialização como na sua capacidade para ver, analisar e compreender o mundo e a vida, algo indispensável nas áreas sociais e/ou de “humanidades”, a que pertencem? Eu, que entrevistei muitas dezenas e falei com outros tantos ao longo destes últimos anos, acho que não, e a pouco mais do que o “call centre”, a caixa do supermercado, o estágio pouco ou nada remunerado ou o recibo verde no Estado podem aspirar.
  4. Pese toda a frustração que isso possa gerar e os problemas políticos para o país que daí possam advir (não os nego), não será preferível, para se conseguir aproveitar uma eventual oportunidade futura, estar no “call centre” mas ser possuidor de uma licenciatura?
  5. Por último, vejamos agora as coisas pelo seu lado positivo: não constituirá também esta situação um incentivo à excelência, sabendo que só os melhores conseguirão trabalho e remuneração de acordo com as suas expectativas?

    Pois... ficam as perguntas.

10 comentários:

Anónimo disse...

Caro JC
não posso deixar de reconhecer a qualidade da argumentação e o fundamento de muitos dos argumentos que apresenta, mas também me parece que pode haver aqui algum desajustamento da mira e do alvo.
Um ponto prévio: naturalmente que os Deolinda fazem (e bem) cantigas, não fazem sociologia nem análise económica; são mesmo muito bons na captação de "sinais dos tempos" e no aproveitamento de tiques e sinais que identificam comportamento e grupos, como já o demonstraram antes.
O que é interessante é que uma sua cantiga tenha lançado uma tal discussão acerca de um tema que já toda a gente conhecia e que de vez em quando era aflorado ao de leve...
Passemos ao resto, sem querer esgotar a discussão ou todas as implicações do que apresenta no seu post.
Tem estudos que lhe mostrem que é nas áreas de formação que indica (humanidades / ciências sociais, etc.) que o problema do desemprego, do sub-emprego e do desajustamento entre formações e aplicações (e isto não é tudo a mesma coisa, mas diferentes aspectos do mesmo problema) mais se coloca? E tantas "engenharias", formações tecnológicas e "gestões" de contornos indefinidos, de conteúdos esvaziados e de nicho que por aí há, revelam-se ajustados às necessidades do mundo produtivo, às exigências das suas aplicações e às expectativas de empregadores e empregados? Não tenho números para lhe contrapor, mas tenho alguma percepção, da experiência directa de jovens que conheço e das empresas com que tenho trabalhado, que a coisa não será muito brilhante...
Mas mesmo que haja, efectivamente, um excesso de formados nas tais áreas que quase sempre automaticamente se identificam como as que "formam para o desemprego", isso acontece porque não é preciso mais gente a trabalhar nessas áreas? Ou seja, o país já está bem servido? Ou pura e simplesmente, mesmo que muitos possam sobrar, ainda haveria necessidade de efectivamente haver gente a trabalhar nesses campos, para nos conhecermos melhor, para melhor comunicarmos, para melhor gerirmos as nossas expectativas, para melhor compreendermos as características da nossa sociedade, para melhor aproveitarmos tantos recursos (humanos, culturais, comunicacionais) que estão por aproveitar ou o são de maneira ineficiente e pervertida? Muitos dos problemas da nossa sociedade, é convicção minha, vêm precisamente destas faltas e da teimosia em continuarmos a tentar soluções sem muitas vezes conseguirmos, sequer, perceber quais são os problemas.
Por último, que o blog não é meu nem tenho o direito de lhe esgotar o tempo e a paciência, não se pode esquecer que apenas em termos de estrita sobrevivência é que faz sentido dizer "olha, trabalhem nos callcenter, que sempre têm um canudo e isso é melhor do que aí trabalhar e não o ter", pois inevitavelmente os níveis de qualificação formal têm efeito nas expectativas mútuas, e muitas vezes de sinal contrário, de empregadores e de empregados, ajustando contingentes de oferta e de recrutamento, níveis de remuneração e desenho de funções, ou não é assim?
carlos

JC disse...

1. Sobre os desempregados por licenciatura, pode procurar na "net", mas indico-lhe um exemplo: http://www.gpeari.mctes.pt/?idc=21&idi=203372
Claro que tudo depende depois da Universidade de origem. Uma coisa é ser licenciado em economia pela Nova ou Católica, outra por yuma outra qualquer universidade.
2. E não, não há falta de alguns desses profissionais. O "ratio" de advogados e juizes por mil habitantes é dos mais elevados da Europa e a estrutura empresarial portuguesa, ainda demasiado centrada em empresas de baixa qualificação, e c/ empresários tb eles pouco qualificados, tem limitações, e teme a admissão de profissionais de economia e gestão.
3. Tb falo no "post" na gestão de expectativas e nas suas implicações políticas. Mas quem vai para alguns desses cursos e/ ou universidades cada vez terá menos expectativas, não é assim?
4. E não maça nada.

Anónimo disse...

JC, peço desculpa por voltar ao assunto, não pretendo "ganhar" nenhuma discussão mas apenas discutir alguns dos aspectos do seu post.
Estatísticas como a que me recomendou há várias e conheço-as, o que elas não permitem é sustentar a ideia de que o problema do desemprego de licenciados é restrito a quem apostou, com ilusões ou sem elas, em cursos "inúteis", "fantasiosos" ou com "excesso de formados" como essas coisas das humanidades ou das ciências sociais. Pelo contrário, e vendo o documento do MCTES, não há diferença significativa entre os inscritos oriundos dessas áreas e das engenharias ou da gestão, nem em número nem em tempo de permanência no desemprego, pelo que é difícil sustentar o retrato do costume dos cursos "que não servem para nada, depois queixem-se".
Além disso, o que digo é que não estou convencido que o problema seja de excesso dessas formações - que não nego que possa haver - mas talvez do seu incipiente aproveitamento entre nós (até pode ser só coincidência com a excelência das pessoas, mas já reparou quantos ministros da educação, desde Deus Pinheiro até Mariano Gago, são... engenheiros? que raio os habilita especialmente para o cargo?). E isso não é só um problema dos próprios mas da própria sociedade portuguesa.
carlos

JC disse...

Como lhe disse, tudo depende tb das universidades de origem e dos cursos. Uma coisa é ser licenciado em engenharia pelo IST (é só um exemplo outra por uma dessas universidades ignotas. E tb depende, claro, do tipo de licenciatura (civil, mecânica, etc, etc). Tb é diferente ser licenciado em gestão pela Nova ou pela Católica ou até pelo ISCTE) ou por uma universidade s/ prestígio. Por exemplo, quando tinha que admitir gente dessa área, nem sequer olhava para os CVs de quem vinha de outras universidades.
Claro que tb existe uma estrutura empresarial que "exige" poucos quadros qualificados, mas isso é um problema estrutural (só muda no longo prazo)e determina o tal excesso de licenciados. Outro exemplo: apesar das elevadas notas de entrada no curso, há excesso de arquitetos. Porquê? Pq apesar de tudo a pobreza do Portugal antigo deixou traços e pouca gente se preocupa em construir c/ qualidade pq o mercado para esse tipo de habitação é exiguo.
Já agora,nada tenho contra ou a favor dos engºs, mas tb não vejo qual o problema de, se c/ CV adequado, serem ministros da educação. Mtºs deles nunca exerceram a profissão e especializaram-se em áreas mtº diversas. É preciso é que seja competente, até pq ministro é essencialmente um lugar político.Tenho na família pelo menos um exemplo de engº, mtº qualificado (IST+MBA numa universidade estrangeira), que nem na ordem está inscrito e trabalha na área de gestão numa multinacional conceituada.
Cumprimentos

JC disse...

Já agora: tb lhe digo que, ao longo destes últimos anos, entrevistei e falei c/ mtª gente oriunda desses cursos que citei explicitamente no "post" que eram de uma falta de qualidade de "bradar aos céus". Mal flar e escrever decentemente sabiam e nem sequer disso tinham consciência.. Por isso, há tb que ter em atenção do que se fala quando falamos de gente qualificada.

pois disse...

Discussão muito interessante, quase um prós e contras (joking, meu caro) mas, e porque toca em algo que me diz respeito, o que tem que ver arquitetos e construir c/ qualidade?

JC disse...

Tem, caro "Pois": para que precisa de um arquiteto (é assim que se escreve agora?)para conceber e construir uns "caixotes" e uns "monos? Não é assim? Se estou erado, diga, pf.

pois disse...

Meu caro a arquitetura está mesmo virada para os caixotes, que nda tardará e serão mesmo monos. Os grandes erros de projecto que se encontrão são maioritariamente de arquitetos.
Sem dúvida que os seus projectos são distintos, mas não serão melhores.
Mas mais uma vez questiono, o que tal tem que ver com construir c/ qualidade?
Imaginemos que o projecto efectivamente tem qualidade, está alcançado o construir c/ qualidade?

pois disse...

encontram, meu caro, encontram

JC disse...

Tem razão, exprimi-me mal. Quando digo "construir c/ qualidade" refiro-me essencialmente ao projecto de arquitetura e não à construção propriamente dita.