terça-feira, fevereiro 22, 2011

As revoltas árabes e a disparatada comparação com queda das ditaduras ibéricas e do "Muro de Berlim"


Acho não vou dizer nada de novo, mas nunca é demais repetir...

Vejo por aí escrito e falado que o que se passa em alguns países árabes tem semelhanças com a queda do “Muro de Berlim” ou das ditaduras ibéricas e grega. Um disparate!

Em primeiro lugar porque, no caso da queda das ditaduras europeias ,estamos na presença de sociedades industriais ou, até, no limiar do pós-industrialismo, com sectores de serviços já importantes. De sociedades burguesas, com classes médias, mesmo que empobrecidas como acontecia em algumas ditaduras do leste europeu, dominantes e influentes. De países onde o “iluminismo” e os ideais da Revolução Francesa tinham feito o seu caminho e a separação entre a igreja e o Estado era uma questão pacificamente aceite. Que, alguma vez na sua História, já tinham vivido (pelo menos a sua grande maioria) sob regimes de parlamentarismo liberal e constitucional. Onde existiam partidos e organizações políticas oposicionistas (mesmo que embrionárias), algumas delas relativamente toleradas (em Portugal, para além do PCP, um embrionário PS, a chamada “ala liberal” e, tal como em Espanha, um influente movimento católico e “tecnocrático” adepto da “abertura”). De países que nunca tinham vivido sob o domínio colonial e onde as estruturas do Estado eram desde há muito sólidas. De Estados que integravam algumas organizações internacionais onde o ocidente e as democracias eram dominantes (EFTA, NATO, OCDE). De sociedades cristianizadas e, de um modo geral, onde a influência romana se fez sentir. Mesmo no caso da oriental Turquia, maioritariamente muçulmana e onde a democracia e a laicidade do Estado estão longe de ser dados adquiridos, não poderemos esquecer que o Império Otomano foi, durante séculos, um potência europeia. Não valerá a pena continuar – acho – neste jogo de “descubra as diferenças”.

Significa isto que os países árabes agora em convulsão não poderão aspirar a viver sob regimes menos autocráticos, mais liberais e onde os direitos humanos sejam tratados com outro respeito? Claro que sim, poderão fazê-lo e espero que o façam. Mas, em função do que acima escrevi, já me parece bem mais complicado que, no curto ou médio prazo, democracias plenas ou, no mínimo, “à turca” consigam fazer o seu caminho. De qualquer modo, comparar o que se passa no Egipto, Tunísia, Líbia, Iémen e o que se possa seguir com a queda das ditaduras ibéricas ou do “Muro de Berlim” parece-me um enorme disparate histórico e político. Por muito que tal me, e nos, custe.

3 comentários:

Anónimo disse...

Mais uma grande e oportuna análise a que JC de há muito nos habituou.

Tais países magrebinos e árabes ainda têm outra diferença das democracias europeias, esta bem mais preocupante. Refiro-me ao facto das democracias europeias serem fortemente dependentes de alguns destes países no que toca a petróleo (Líbia) ou gás natural (Argélia), países que contam com uma população muito mais jovem e um número de refugiados em crescendo que não deixarão de tentar, por todos os meios, penetrar em solo espanhol, francês e italiano.
Se conjugarmos tal com o atoleiro em que se transformou o Iraque, o sempre imprevisível vizinho Irão e um possível alastramento da revolta à Arábia Saudita, onde se situa Meca, podemos muito bem constatar tais efeitos na bomba de combustível mais próxima, no esquentador pela manhã e nos preços afixados nas pouco repletas estantes dos supermercados.

“Inch'Allah” me engane!.

JR

Karocha disse...

Bom post JC!
Assunto muito complicado e grave,já para não falar dos dois navios de guerra do Irão , que atravessaram o Suez, para a Síria!

JC disse...

Mtº obrigado a ambos pelo elogio e tb pela oportuna "achega" do JR.