segunda-feira, dezembro 27, 2010

A acção social da Igreja Católica e a sua vertente estratégica e propagandística

Em Portugal, derrotada nas questões da IVG e do casamento entre pessoas do mesmo sexo (digamos que nem sequer ousou “ir a jogo”) e afastada do seu tradicional papel institucional pelo reconhecimento e aprofundamento da laicidade do Estado, desprestigiada internacionalmente pela revelação de actividades pedófilas de alguns dos seus membros proeminentes em países como os USA e Irlanda, a Igreja Católica portuguesa viu-se forçada pelas circunstâncias a assumir uma posição defensiva em terreno que sempre lhe foi mais favorável, onde no século XIX era mesmo quase monopolista e também onde a sua actividade é mais visível e menos questionada e questionável: a acção social, mais precisamente o ensino e a beneficência. Se no caso do ensino, embora contando com o apoio táctico e conjuntural de não-católicos como os ultra-liberais propagandistas da “liberdade de ensino” (com destaque José Manuel Fernandes, por exemplo), o papel da Igreja tende a ser cada vez mais reduzido por via da extensão do ensino público a toda a população, no caso da beneficência a crise económica tem fornecido às organizações tuteladas, directa ou indirectamente, pela Igreja Católica, ou cujos rostos mais visíveis dela se reclamam, uma oportunidade importante para uma acção de propaganda da sua actividade em favor dos “pobres” e “desfavorecidos”, em benefício – pode subentender-se das palavras de alguns dos seus responsáveis –dos marginalizados e esquecidos por um Estado tornado laico, logo, que esqueceu, abandonou ou deixou cair os valores tradicionais da solidariedade cristã. Curiosamente, também aqui, e quando a crise financeira obriga a cortes nas prestações sociais, nos encontramos perante uma aliança conjuntural tácita entre o ultraliberalismo crítico do Estado-Providência e a Igreja Católica, que vê na crise a oportunidade para passar ao contra-ataque num seu terreno de eleição, para tal contando com o apoio de alguns “media” e de personalidades de relevo como o próprio Presidente da República.

Significa isto que a actuação da Igreja Católica e de algumas organizações que dela se reclamam, na área do apoio social, não deva ser realçada e apoiada, especialmente na conjuntura actual, por todos os cidadãos, independentemente das suas opiniões, credos ou ausência destes? Nada disso, mas apenas que essa acções, de méritos indiscutíveis, não serão, na sua essência - como se calhar nada o é na vida -, completamente altruístas, ou pelo menos tão altruístas como pretendem aparentar, constituindo-se também como parte de uma acção concertada de afirmação (ou reafirmação) da Igreja Católica na sociedade portuguesa num contra-ataque lógico na sequência de um conjunto de derrotas significativas. E, tal como acontece em todas as acções onde a propaganda assume um papel de maior ou menor relevo, o exagero, nas acções efectuadas e na descrição do quadro que lhes fornece o pretexto, não deixará de estar presente e jogar o seu papel. Convém lembrá-lo àqueles que – e frequentemente com alguma razão, devemos reconhecer – não deixam de colar o selo de propaganda a toda e qualquer acção governativa.

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