terça-feira, maio 18, 2010

A "classe média"

É comum ler e ouvir por aí que a chamada “classe média” (deixo de lado a falta de rigor da definição) tem sido a grande sacrificada pelas políticas dos últimos anos. Nada mais enganador. Em primeiro lugar porque essa mesma classe média é algo de muito recente, nascida, fundamentalmente, do desenvolvimento dos serviços gerado pelo “boom” económico dos anos 60, pelo turismo nos anos 70 e pelos serviços prestados pelo estado social (saúde, educação, desenvolvimento autárquico) dos pós-25 de Abril. Antes disso, a classe média era quase inexistente enquanto tal, sem, digamos, uma autonomia e “consciência de classe” próprias, limitando-se a pouco mais do que uma reduzida pequena burguesia lisboeta ligada ao comércio e às repartições estatais, em rendimento e modo de vida muito proletarizada pelo salazarismo, e às profissões liberais. Em segundo lugar porque é com a adesão de Portugal à então CEE, com o dinheiro fácil dos “fundos estruturais” e a “engorda” do estado ""cavaquista, e com os juros baixos e crédito fácil da “moeda única” que essa mesma classe se fortalece economicamente e passa a ter acesso fácil aos bens importados, até aí praticamente só acessíveis a quem viajava – e viajar era caro quando o escudo era a moeda dos portugueses. Estes passam finalmente a deslocar-se ao estrangeiro em férias e o parque automóvel local passa a pouco ou nada diferir do que era comum encontrar na Europa mais desenvolvida dos anos 90. Em terceiro lugar porque, com a consolidação e desenvolvimento democráticos, é na classe média (e, frequentemente, na classe média-baixa, de província) que passam a ser recrutados grande parte os quadros políticos do regime, o que contribui para lhe dar uma “voz política”. Por fim, com a democratização mediática das duas últimas décadas (televisões privadas, rádios locais, revistas “cor de rosa”, imprensa on-line, “blogosfera”, “fóruns de opinião”, etc) a “classe média” passa a ter uma voz própria, adquirindo maior consciência do seu poder e expressando-o de modo reivindicativo.

Mas sendo, como se vê, uma classe média de formação recente, é ainda pouco preparada, cultural e educacionalmente, demasiado dependente, na sua afirmação, qual novo-rico que exprime o seu estatuto através da bagagem Louis Vuitton e do Ferrari ou emigrante que constrói a sua “maison” bem à beira da estrada, das “badge brands”, do “BM”, do “plasma”, das viagens “à república” ou das férias de Inverno na Sierra Nevada. Tendo o passado recente bem presente na sua própria memória, ou na que lhe é transmitida por pais e avós (por vezes pela própria presença destes), e muitas vezes resumindo e identificando o seu estatuto apenas com esses mesmos “gadgets” e “badge brands”, esta “classe média” vive no pavor e convive mal com o fantasma de um improvável “regresso ás origens” e à perda de uma identidade construída na areia. Uma parte dela, ligada os Estado e, mais especificamente, ao ensino, cresceu de modo seguro e com pouco esforço à sombra dos direitos adquiridos e da ausência de competitividade, por isso não reconhecendo uma outra vida e um mundo muito diferente daquele onde nasceu e cresceu. A "classe média" tornou-se egoísta e reaccionária, pouco ou nada solidária, “tropa de choque” do conservadorismo corporativo. No fundo, tendo consciência de como construiu o seu estatuto em terreno pouco sólido, é inimiga do reformismo e de qualquer mudança que ponha em causa, mesmo que com benefício geral ou dos mais pobres, uma parcela, por ínfima que seja, do que alcançou.

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