terça-feira, março 02, 2010

O "Barómetro Segurança Privacidade e Protecção de Dados", o OSCOT, o Director-Geral da Administração Interna e a subordinação do público ao privado

Era minha intenção, no âmbito do que aqui escrevi sobre os estudos de opinião inúteis, efectuar uma análise mais pormenorizada sobre os elementos divulgados pelo “Público” relativos às principais conclusões do “Barómetro Segurança, Privacidade e Protecção de Dados” efectuado, segundo o mesmo “Público”, por “uma empresa de consultoria para uma empresa que comercializa equipamentos de segurança”. Não vale a pena, já que se trata de rabo escondido com gato quase todo de fora: se uma empresa privada, como é o caso, decide investir pelo menos umas dezenas de milhar de euros num estudo cujas conclusões seriam conhecidas à partida é porque sabe ele constituirá um instrumento que lhe irá permitir, a prazo, conseguir o retorno adequado a esse mesmo investimento. Legítimo? Claro que sim: defendendo eu a democracia e a livre iniciativa (e uma não existe sem a outra), longe de mim ter razões para afirmar o contrário. Mas isso não me impede de descodificar o que está em causa. Vejamos.

Se a empresa privada que encomendou o estudo sabia de antemão os resultados que iria obter (o desfasamento entre a percepção de segurança e a efectiva segurança é idêntico ao de anos anteriores, agravado pela crise e pela tabloidização crescente dos “media”, e, salvo acontecimentos excepcionais, estamos perante uma realidade estrutural, que, como tal, pouco se altera no curto-prazo) e mesmo assim decidiu encomendá-lo é porque esses resultados, com a caução que um estudo de opinião lhes confere, irão permitir que essa mesma empresa tenha perspectivas de ver crescer o seu negócio (“equipamentos de segurança”, como se verificou). É essa a sua expectativa, aliás legítima, e por isso mesmo conseguiu que o “Fórum TSF” dedicasse hoje o seu tempo a debater as conclusões de um estudo privado que tem como objectivo o crescimento de um negócio também ele privado. Aliás, sabe também de antemão a empresa que encomendou o estudo que o tema é suficientemente popular e populista para ter repercussão mediática assegurada. Muito bem, quem na empresa ou na respectiva agência de comunicação tinha por missão sensibilizar os “media” para tal, fez o seu trabalho bem feito. O que está então errado? Mais uma vez, vejamos.

O que está errado é que responsáveis políticos de partidos com representação parlamentar (PS, PSD e CDS – PCP e BE não o fizeram e alguma vez soaria a sua hora de terem razão), um Director-Geral de um ministério e o General Garcia Leandro, em nome da OSCOT (Observatório da Segurança, Criminalidade Organizada e Terrorismo) tenham decidido vir a público comentar o tema “segurança” na base das conclusões de um estudo com estas características e conhecido o proponente e seus interesses. O que está errado é que o Director-Geral da Administração Interna e o presidente do OSCOT, cujo objectivo deveria ser a prossecução do bem comum nas áreas que se propõem dirigir e “observar”, estejam presentes na apresentação deste estudo, dando caução aos seus objectivos. O que está errado é que o OSCOT comece logo por propor como panaceia ou solução milagrosa, por voz do general Garcia Leandro e já não é a primeira vez que o faz, o aumento da vidio-vigilância que, como sabemos, para além dos problemas de intrusão na vida privada que lhe são inerentes (e já não é pouco...), está longe de constituir um método eficaz de dissuasão da grande criminalidade (os assaltos mais graves ou mais mediáticos têm acontecido em zonas sob video-vigilância). Por fim, o que está errado é que um tema que, bem ou mal, com razão ou sem ela, preocupa os portugueses e onde se corre permanentemente o risco de ferir algo tão sensível como os direitos, liberdades e garantias e princípios essenciais do Estado de Direito Democrático seja tratado deste modo, isto é, com rigor mais do que questionável, subordinando o público ao privado e tendo como um dos seus porta-voz com maior influência alguém cuja fidelidade a esses princípios, por muito que tenha sido militar do 25 de Abril, tem deixado, por gestos, palavras e atitudes dos últimos tempos, muito a desejar, contribuindo para um ambiente catastrofista de finis patriae.

Por fim e também por último: o que está errado é ter de ser um modesto “blogger”, e não o jornalismo dito “de referência”, a escrever sobre estas coisas. Ponto final!

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