sexta-feira, dezembro 18, 2009

O Senhor Presidente da República e as suas incongruências

O Senhor Presidente da República diz que “não se deixa arrastar para lutas partidárias”, mas mantém em Belém o seu assessor Fernando Lima que, com a sua conivência, deixou arrastar a Presidência para o grau zero dessas mesmas lutas partidárias naquele que constituiu um dos mais vergonhosos casos da democracia portuguesa. Para já não falar da sua atitude quando da visita à Região Autónoma da Madeira, dando cobertura ao desprezo do chefe de governo da Região - eleito por um dos partidos, por sinal também o seu - pela Assembleia Regional e, desse modo, pela própria democracia e por si próprio, enquanto presidente eleito por sufrágio directo e universal de um Estado democrático.

O Senhor Presidente da República diz que não comenta o “casamento entre pessoas do mesmo sexo” mas, de seguida, ao declarar:

“A minha atenção está noutros problemas, no desemprego do país, no endividamento do país, no desequilíbrio das contas públicas, na falta de produtividade e de competitividade do nosso país”. “Eu procuro empenhar-me fortemente na união dos portugueses e nada fazer que provoque fracturas na sociedade portuguesa e, isto, porque eu sei muito bem, até como economista, que apenas através da união dos portugueses nós conseguiremos uma mais rápida recuperação económica e criação de emprego” “ É com estas últimas questões que se preocupa e não com outras” “É com os quinhentos e muitos mil” desempregados que está preocupado”

está, nada mais nada menos, e independentemente da gravidade dos problemas que aborda e do verdadeiro programa político implícito nestas suas afirmações, qual “piscar de olho” aos que, à direita, advogam a “presidencialização” do regime, a tomar como sua a argumentação dos partidos que se opõem a esse mesmo casamento homossexual, deixando-se assim embrenhar nas lutas partidárias das quais – diz – pretende afastar-se.

Mais ainda, o Senhor Presidente da República não é o ministro das finanças, é o Supremo Magistrado da Nação – uma nação democrática, note-se – e, enquanto tal, (é bom que alguém lho diga), talvez não fosse má ideia, pelo menos de vez em quando, pronunciar-se também sobre questões eminentemente políticas e dar a sua contribuição positiva para questões essenciais a um Estado de Direito, tais como a igualdade dos cidadãos perante a lei, os direitos liberdades e garantias, o acesso democrático à Justiça, o aprofundamento da democracia e dos seus valores, da liberdade e da não discriminação em função de raça, credo, orientação sexual, dos direitos das minorias, das questões da UE, etc. Mas não: o Senhor Presidente da República já demonstrou, mais do que uma vez, que tem da democracia uma visão meramente instrumental e que os atropelos democráticos o não preocupam de sobremaneira.

Por fim, e como se tudo isto não fosse já suficientemente grave, o Senhor Presidente da República, que diz não se querer envolver nas lutas partidárias e não perde oportunidade de mostrar o seu “nojo” pela política, profissão que há trinta anos abraçou, usa e abusa dos golpes de baixa política e do cinismo e da hipocrisia característicos dos políticos medíocres nas suas declarações sobre o país. Mais ainda, essas suas críticas continuadas aos partidos e constantes apelos à unidade dos portugueses, como se todos os portugueses fossem iguais e não existisse diversidade de pensamento político, não me parece contribuam em nada para o reforço do regime democrático (sem partidos e alternativas políticas não existe democracia), engrossando, isso sim, as fileiras dos que, assumida ou veladamente, conspiram para o seu fim. Não me parece isso seja digno da Presidência da República e contribua para o prestígio do cargo que Aníbal Cavaco Silva transitoriamente ocupa, mas parece-me há muito deixaram de ser essas as suas preocupações - se é que alguma vez o foram.

2 comentários:

Anónimo disse...

Completamente de acordo.Estamos tramados.
Jose Nunes

JC disse...

Talvez não, caro José Nunes...