quarta-feira, dezembro 16, 2009

Da "vontade" do eleitorado ou da sua não existência enquanto entidade colectiva

Continuo a ler e ouvir por aí afirmações (da esquerda á direita: a distribuição, neste caso, é muito democrática) de que “o eleitorado quis isto”, o “eleitorado decidiu aquilo”, etc, etc. Trocando por miúdos "para militar e loira perceberem": “o eleitorado não quis dar a maioria absoluta ao PS”, “o eleitorado quis que o PS governasse em coligação ou com apoio de outros partidos”, “o eleitorado quis uma maioria de esquerda na AR”, o eleitorado não quis “pôr todos os ovos no mesmo cesto” (esta é muito usada quando das eleições presidenciais...) e por aí fora. Sejamos claros: o eleitorado, enquanto entidade colectiva dotada de uma vontade própria homogénea, não existe. Pelo contrário: esse eleitorado é apenas um aglomerado de vontades individuais, diversas e por vezes mesmo contraditórias, e essa constitui mesmo uma das características essenciais da democracia liberal, aquela que se baseia no indíviduo e não na vontade das corporações. Muitos, talvez mesmo a maioria dos que votaram PS, teriam preferido o partido governasse sozinho, em maioria absoluta; outros em coligação ou com o apoio do BE; outros sonhariam com o Bloco Central e assim sucessivamente. Do mesmo modo que muitos dos que votaram PSD ambicionariam também a maioria absoluta ou a coligação com o CDS, assim como outros ansiariam pelo Bloco Central ou com uma Grande Coligação do centro-esquerda á direita. Quem sabe? Podíamos continuar por aí fora, mas não vale a pena.

Significa isto que tudo o que seja extrapolar dos resultados eleitorais para definir e interpretar (por quem?, com que direito?) a “real e verdadeira” vontade do “eleitorado”, do “povo”, para além do facto da soma dos eleitores, pura e simplesmente, ter dado X% dos seus votos ao PS, Y% ao PSD, Z% ao CDS, etc, com as várias consequências que isso possa ter para a formação do governo e para a governação, me parece ser perfeitamente abusivo e, até, conter em si mesmo alguns tiques e resquícios de um totalitarismo a expurgar. Interpretar a “verdadeira” vontade do “povo”? Sabemos onde isso nos leva ou, mais propriamente, todos sabemos como começa, mas nunca sabemos como acaba. E muitas, demasiadas vezes, acaba mal!

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