domingo, novembro 15, 2009

Das escutas, ou a verdadeira "essência das coisas"

Num comentário a este “post”, um habitual leitor deste “blog” afirma, no caso das escutas a José Sócrates, não estar eu a querer perceber a “essência das coisas”. Não é verdade: para mim, a essência das coisas é, e será sempre, o Estado de Direito Democrático e os correspondentes direitos, liberdades e garantias. Estejam em causa José Sócrates, o Manel da Horta ou o Zé dos Anzóis. O PS ou qualquer outro partido. E a defesa das instituições democráticas e da dignidade dos seus mais altos cargos, claro, por isso não admitindo que o PM, PR ou presidente da AR possam ser escutados por decisão de um qualquer juiz da comarca de Alguidares de Baixo. Como por aqui também já tive ocasião de afirmar a um outro leitor, e citando Brecht, nunca me ouvirão dizer “primeiro vieram buscar os comunistas, mas como não era comunista não me importei”.

Tendo dito isto, claro que, e respondendo ao meu estimado leitor, não posso tirar quaisquer ilações políticas, pelo menos em relação a José Sócrates, de escutas ilegais, ofendendo princípios fundadores do Estado de Direito, obtidas através da violação do segredo de justiça (o que constitui crime) e das quais só conhecemos pequeníssimos excertos publicados em alguns jornais. Bem esteve o CDS, pela voz do deputado Diogo Feio, ao afirmá-lo (ora aqui está uma ilação política que já pude tirar...). Também não posso sequer admitir que o próprio primeiro-ministro sobre elas se pronuncie – e este já perdeu também boa oportunidade de estar calado! Do que se passa com as escutas, posso, isso sim, tirar ilações políticas face ao que parece ser a “bandalheira” (peço desculpa pelo termo) generalizada que parece grassar na PGR, cujo principal responsável admite divulgar escutas ilegais pelo facto da própria PGR não ter sabido garantir o segredo de justiça e nada faz quanto às sistemáticas violações desse mesmo segredo. Tiro também ilações políticas (aliás, tenho vindo a tirá-las) quanto ao clima de justicialismo populista que se desenvolve neste país, muitas vezes com a conivência dos próprios responsáveis governativos ao admitirem, por exemplo, que a polícia resolva a tiro quaisquer fugas de suspeitos; onde, à semelhança do que acontece nos períodos revolucionários ou nas guerras civis (uma foi aqui mesmo ao lado), tudo vale contra aqueles com quem antipatizamos ou com os quais temos divergências, principalmente se são políticos, ricos e “famosos” ou, pura e simplesmente, pobres imigrantes.

Mas então, significa isto que não posso tirar ilações políticas do caso TVI/PT. Claro que posso, e já em devido tempo as tirei e por aqui me exprimi. Mas para isso, não sendo alienígena nem virgem, muito menos ofendido na virgindade perdida, não preciso para nada de escutas. Conhecendo este país e tendo exercido funções de gestão, sei perfeitamente que um negócio que envolva uma empresa onde o Estado efectivamente manda (e este sempre foi o caso da PT e também, actualmente, do BCP) não se efectua sem que dele o governo (este ou qualquer outro) tenha conhecimento e o aprove, intervindo ou não directamente no processo (lembram-se da OPA do Sonae sobre a PT e da posição da CGD?). Aliás, competindo aos governos a condução política do país, para que fim se julga o Estado detém participações accionistas em empresas? Será melhor que as não detenha? Numa maioria dos casos, claro que sim. Mas, não sendo um ultra-liberal, haverá casos em que por questões estratégicas para o país isso se possa justificar, sendo o controle e interferência políticos o preço a pagar por outro eventual tipo de benefícios.

Então o primeiro-ministro mentiu? Não sei: provavelmente sim, ou então estava mal informado pelo seu governo (não sei o que será mais grave...). Mas as minhas ilações políticas sobre o caso já tinham sido retiradas muitos antes, sequer, de José Sócrates ter prestado declarações na AR e estas em nada as alteraram.

Por fim, mais algumas ilações políticas que não tenham directamente a ver com este caso? Claro. Retiro-as, também, da entrevista da ministra Isabel Alçada à RTP1, que, no meio desta “salganhada” populista, dos escândalos da imprensa tablóide (começo a perguntar-me qual não a é...), passou quase despercebida e é de importância política essencial. Talvez constituísse mesmo, como aqui afirmei, um bom motivo para voltar à política. Mas, perante uma boa escandaleira e um caso de bisbilhotice de "mulher de soalheiro", quem está mesmo interessado em discutir política?

PS: Hoje, o “Correio da Manhã” já afirma em primeira página que nas tais escutas José Sócrates se terá referido a Manuela Ferreira Leite de forma ofensiva. Estão bem a ver onde tudo isto já chegou?

Sem comentários: