terça-feira, outubro 06, 2009

Fado, património imaterial da humanidade

Voltemos ao fado, neste dia em que faz dez anos que Amália Rodrigues morreu e em que se fala da sua candidatura a património imaterial da humanidade.

Foram os bairros populares de Lisboa que deram vida ao fado: as suas tascas, os seus prostíbulos, os seus locais de má fama onde ele se cantava, dançava e “batia”. Onde também se conspirava politicamente, claro. Quem era a “Severa”?, senão uma prostituta, filha dos donos de uma taberna, nascida na Madragoa e por quem o Conde de Vimioso (D. Francisco de Paula Portugal e Castro) se terá tomado de amores? Não admira, portanto, que muitos fados reflictam esta realidade social, por vezes violenta, de “faca na liga”, como disse, tal como os "blues" nos falam da vida difícil dos negros do sul ou do "south side" de Chicago depois da imigração. Uma realidade em que tudo é demasiado cru, radical, como sempre acontece quando estamos perante gente rude, pouco sofisticada e ainda menos culta, “terra a terra”, mesmo que no grupo se misturem fidalgos que pouco mais conhecem do que o ambiente do campo onde nasceram e cresceram, entre criados, touros e campinos.

Este fado (“Fado Menor”), na interpretação de Maria Alice (1904-1997), é um exemplo extremo disso mesmo, da vida de uma mulher que se prostitui para sustentar os filhos e disso sente vergonha perante eles. A história da “desgraçadinha”?, como por vezes gostamos de afirmar para vincarmos, com desprezo pelo que achamos ser algum primitivismo fadista, a nossa superioridade intelectual e vivêncial? Não, apenas genuína cultura popular, gerada por uma Lisboa e um modo de vida que já não existe e cujo testemunho é aqui legado às gerações vindouras através da única forma de música popular urbana que Portugal conheceu.

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