terça-feira, abril 14, 2009

LFV, Rui Costa, Quique Flores e o projecto do S. L. Benfica - 2. A filosofia de gestão de Quique e o seu "modelo de jogo"

Nota prévia: quem estiver à espera de ouvir falar sobre arbitragens, golos falhados, substituições bem ou mal feitas, "entrega ao jogo" e coisas semelhantes é favor não ler este "post".

Não assim há tanto tempo como isso, a direcção dos clubes de futebol contratava jogadores - que aliás se mantinham no clube anos a fio - e, posteriormente, sabe-se lá com que critérios mas penso que variáveis, contratava um treinador, normalmente um antigo jogador, que tinha por missão “dar” a preparação física e “armar” a equipa. Mais coisa menos coisa, em épocas em que o empirismo ainda dominava num desporto – o futebol – ao qual a ciência desportiva chegou tarde, em que o “cheiro do balneário” fazia as vezes de ideologia corporativa, era assim que as coisas se passavam. Nos principais clubes portugueses, como as grandes referências enquanto jogadores eram na maioria das vezes pouco mais do que analfabetos funcionais, contratava-se um treinador estrangeiro, com outra mundividência e que, assim, mais facilmente se poderia impor ao tal mitológico balneário. Era o “mister”.

Como sabemos, hoje não é assim. Ao contratar-se um treinador contrata-se também uma equipa técnica, uma concepção e uma filosofia de gestão que deve ligar com a “cultura” do clube (a tal mística), uma ideia, princípios e modelo de jogo que devem ser compatíveis com os objectivos que se querem atingir em determinada realidade competitiva (as competições a disputar), que constitui o mercado onde os diferentes clubes (players) vão competir. Quem se quiser dar ao trabalho de ler o livro “Mourinho, Porquê Tantas Vitórias?”, de Bruno Oliveira, Nuno Amieiro, Nuno Resende e Ricardo Barreto (Gradiva), que é, muito mais do que um livro sobre futebol e sobre José Mourinho, um excelente texto sobre gestão, entenderá bem melhor o que estou a dizer e o que está em causa.

Ora foi exactamente este “pacote” que o SLB contratou ao admitir Quique Flores como treinador e, logo, a primeira pergunta a fazer será: em que medida e até que ponto as duas filosofias de gestão – da equipa de Quique e do SLB – se casam? Em que medida as ideias de Quique cabem na “cultura” (mística) do SLB? Estas deveriam ter sido – e deverão ser hoje – duas questões essenciais que Rui Costa deverá colocar a si próprio, não sem que antes devesse ter colocado uma outra fundamental: em que medida as suas próprias concepções e as de ambos (Rui Costa e Quique) são compatíveis com as de LFV, partindo do princípio que estas últimas são dominantes? Não estando por dentro, não conhecendo os intervenientes a não ser pela sua intervenção pública, deixo a interrogação sem resposta. Mas, conhecendo o “way of doing the things” de muita gente onde encontro, infelizmente, bastantes semelhanças com o que me é dado a observar em LFV, permito-me ter fundamentadas dúvidas, o que remete de imediato para a determinação de qual o elo fraco de todo este complexo processo.

Vem de seguida a questão do “modelo de jogo” e da sua compatibilidade. O SLB joga num chamado “bloco baixo” (defesa e meio-campo recuados) com transições ofensivas rápidas efectuadas pelos extremos ou através de passes longos para as costas da defesa contrária. Um modelo que, contrariamente ao que é comum no futebol português onde tem predominado, a partir do fim da era do grande Benfica dos anos 60, o futebol de contenção (excepção o FCP de Mourinho e, agora, de Jesualdo - daí o seu sucesso), circulação e posse de bola, de contra-ataque “apoiado”, privilegia o passe longo, de risco e onde não se dá especial importância ao domínio do jogo mas sim ao respectivo controlo. Com excepção notória do Barça, é o modelo vigente em Espanha e no Liverpool de Rafa Benitez, e ainda no passado domingo vi o Real Madrid jogar desse modo procurando as transições rápidas através das correrias de Roben ou dos passes longos para Gonzalo Higuaín. No SLB este modelo expressa-se, e exprime-se, através de um 4X4X2 clássico e de ambos, modelo e sistema, resultam as seguintes consequências a nível de perfil de jogadores:

  • A não necessidade de um nº10 clássico, tão do agrado da crítica indígena. Mesmo jogando com alguém nessas funções, será sempre um “híbrido” como Carlos Martins, mais perto (nas características, que não na categoria) de um Deco ou de um Frank Lampard do que de um Rui Costa.
  • A importância de um “ponta de lança” rápido e móvel, mas também poderoso, que recolha as bolas enviadas para trás da defesa contrária e aguente o corpo a corpo em velocidade (David Suazo). Cardozo, neste modelo, é um corpo estranho.
  • Extremos que possam executar diagonais e, assim, aparecerem na área e rematarem, em vez de efectuarem o tradicional movimento “ir à linha e centrar” para um qualquer “poste” (já ninguém joga assim no primeiro mundo futebolístico e veja-se a dificuldade de um Peter Crouch em se impor). Simão já jogava desse modo no “losango” de Fernando Santos e assim continua a fazê-lo no Atlético, tal como Arjen Roben no Madrid e Kalou e Malouda no Chelsea. Por isso, muitas vezes jogam no “lado contrário”. Simão e Roben (novamente o mesmo exemplo) fazem-no; Di Maria tem imensa dificuldade em consegui-lo. Daqui se depreende também a lógica de utilização de Pablo Aimar no lado esquerdo.
  • O modelo de passe longo, de maior risco, e a existência de extremos que “forçam” o “um para um” tornam indispensável a preferência por laterais mais defensivos, frequentemente centrais de origem o que lhes permite complementar os centrais e tornar a equipa, sem “pontas de lança” do tipo “poste”, mais alta nas bolas paradas, ao contrário do que acontece nos modelos de posse e circulação de bola expressos no 4X4X2 em losango que requerem laterais mais ofensivos dada a inexistência de extremos clássicos. David Luiz é o exemplo no Benfica, mas Jamie Carragher joga muitas vezes a lateral no Liverpool e Sérgio Ramos no Madrid. Também a lesão de Bosingwa trouxe á evidência a utilidade de Ivanovic, um central de origem com 1,88m que foi autor de dois golos no jogo da Champions contra o Liverpool. Veja-se também como Quique, na ausência de um extremo direito (Balboa foi um flop), prefere utilizar do lado onde existe um lateral com maior vocação atacante (Maxi) alguém como Ruben Amorim.
  • Voltando especificamente ao SLB, Luisão e Sidnei são centrais lentos, que não podem marcar muito á frente e têm dificuldade perante quem lhes aparece embalado. Daí Quique, no seu modelo, recorrer a jogadores de meio-campo mais “pressionantes”, como Yebda. Essa lentidão explica também a opção frequente por Miguel Vítor, mais rápido e, assim, também mais capaz de cobrir as laterais e marcar mais á frente. Perde na "força aérea" o que ganha em rapidez.

Este é o “modelo” e o perfil de jogadores que o servem. Como se pode verificar existe uma lógica, uma coerêcia entre o modelo e os jogadores (melhores ou piores) existentes. Será essa lógica, essa ideia e modelo de jogo compatível com os objectivos a que o SLB se propõe nas provas que disputa, no “mercado” em que quer ser competitivo?

Tenho algumas dúvidas (o que significa apenas isso – dúvidas – e não a sua negação), mas veremos o porquê delas no próximo “post”.

Próximo "post" sobre este tema: o modelo de jogo do SLB e a sua compatibilidade com os objectivos e as provas que disputa.

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