quinta-feira, abril 23, 2009

Cooperação estratégica, liberalismo, José Sócrates, Cavaco Silva e talvez outras coisas pelo caminho

“No meu entendimento”, como diria o inefável Fernando Seara, para a existência de cooperação estratégica entre duas entidades será necessário que ambas partilhem dos objectivos de longo prazo e, pelo menos, acordem sobre os aspectos essenciais da estratégia a seguir para os alcançar. Poderão, eventualmente, discordar aqui e ali sobre algumas das acções e planos destinados à sua implementação, mas, no essencial, essa estratégia terá obrigatoriamente na sua base um acordo de princípios e o objectivo deverá ser assumido em comum.

A pergunta que se deverá colocar à - parece que agora defunta - em tempos anunciada cooperação estratégica entre S. Bento e Belém, para que se compreenda se existe ou não conteúdo ou não estamos apenas perante uma repetição descontextualizada de um qualquer “sound byte”, deverá pois ser a seguinte: alguma vez existiu entre as duas entidades coincidência de pontos de vista e acordo sobre os objectivos a atingir? Alguma vez partilharam a mesma visão estratégica sobre o futuro do país? Sinceramente, penso que apenas de forma mitigada, concordando mais na necessidade de adopção de alguns “planos de acção” tácticos, mais ou menos indiscutíveis para quem se revê num país centrado na economia de mercado e na Europa (redução do “déficit”, crescimento por via das exportações, maior produtividade, etc), do que na partilha de uma visão futura para o país.

Mais do que cooperação estratégica, terá existido, isso sim, um acordo sobre algumas medidas governamentais relativamente consensuais num determinado contexto. Quando a crise financeira vem obrigar a uma revisão de valores e concepções de sociedade, quando isso volta a trazer para primeiro plano a ideologia e a política colocando na ordem do dia visões estratégicas conflituantes no campo da democracia liberal, o desacordo entre Cavaco Silva e José Sócrates veio então a tornar-se mais evidente.

Cavaco Silva é um homem conservador, com uma visão do país e do mundo moldada pelo tradicionalismo rural da sua infância, por valores pequeno-burgueses e pela Igreja Católica. Nunca se lhe conheceu um gesto fora deste quadro de valores, movendo-se com evidente dificuldade quando obrigado a decidir fora dele. Aliás, nunca o escondeu, e isso que marca o seu enfado e as suas dificuldades perante a política “pura e dura”, tendo da democracia, como se viu no seu comportamento quando da deslocação à Madeira e na tibieza com que enfrenta a questão Dias Loureiro, uma concepção puramente instrumental. Em certa medida, um burocrata sério e competente - muito mais do que um académico - com uma carreira feita no aconchego do Estado mas longe da luta política, onde apenas chega levado por essa sua carreira, quase como a contra-gosto e mais movido pelo poder do que pelo gosto da política. Quando está em causa uma visão estratégica para o país que se afaste desses valores, Cavaco Silva entra com ela em conflito, como se provou, também, na sua atitude face às decisões num sentido mais progressivo do governo sobre “questões de sociedade” (IVG, divórcio, etc).

Não sendo José Sócrates um liberal parece-me ter, contudo, por necessidade ou convicção pouco interessa e idiossincrasias e vicissitudes de caminho à parte, uma concepção de sociedade mais aberta, mais cosmopolita, mais moderna do que aquela que Aníbal Cavaco Silva nos transmite ser a sua. Que muitos dos liberais mais radicais – “os verdadeiros, os legítimos, os da Bayer” -, que em tempos se reivindicavam da linha justa dentro do estalinismo mais “puro”, com ele - Cavaco Silva - tendam agora preferencialmente a identificar-se só me poderá fazer esboçar um ténue sorriso trocista.

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