domingo, dezembro 21, 2008

Portugal: um país demasiado frágil

Já há alguns anos que se ouve falar da chamada crise de representação partidária, isto é, de muitos eleitores não se sentirem representados, a nível institucional, pelos partidos existentes. O que isso pode representar tem sido exaustivamente analisado, tendendo a empurrar para as faixas do regime democrático grupos significativos de cidadãos. De qualquer modo, penso (repito, penso: não tenho quaisquer dados que o possam confirmar) a conjugação de factores como a crise financeira, levando os eleitores a mais facilmente se sentirem atraídos por um sentimento de “segurança em primeiro lugar”, o crescimento do “Bloco de Esquerda”, a sedimentação de um discurso e práticas políticas “de protesto” pelo PCP e o surgimento de listas de cidadãos e candidaturas independentes nas eleições presidenciais e em algumas autarquias, tudo isto fazendo parte do “sistema” de representação tradicional, pode ter funcionado um pouco como válvula de escape, contribuindo para fazer passar para segundo plano, se bem que conjunturalmente, essa questão.

O que me parece começar a crescer neste momento, em situação de maioria absoluta de um partido “centrista” (digamos assim), é, isso sim, um certo desespero pelo facto de essa representação institucional, nas suas várias componentes, não conseguir influenciar, de forma significativa, a governação do país, À direita, fruto da grave crise dos seus partidos representativos impedir a apresentação de uma alternativa credível de governo ou de propostas consideradas sólidas de alteração a algumas políticas da actual governação (o que a crise também dificulta); à esquerda, em virtude de PCP e “Bloco” terem claramente optado por um estatuto de protesto e um discurso radicalizado de contestação ao “sistema”.

Isto tem como consequência que, à direita, e entre os que nela fundamentalmente se reconhecem, se assista, cada vez mais, a uma tendência para esperar que seja o Presidente da República a intervir, colocando nele as suas esperanças no sentido de, com as competências que lhe são próprias, possa influenciar e/ou corrigir as políticas governamentais no sentido desejado. Sim, eu sei que Ramalho Eanes não é politicamente muito relevante (no entanto, trata-se de um ex-presidente e apoiante destacado de Cavaco Silva), mas as suas afirmações sobre uma questão que neste momento parece ser completamente “estapafúrdia” (dissolução da Assembleia da República), embora possam ser apenas consideradas isso mesmo – nada mais do que uma “estapafúrdia” excentricidade da parte de alguém um pouco já fora do seu tempo -, não deixaram de ser produzidas e por aí ficaram à espera de eco e reacção. Aliás, é este cenário - o da tentativa de reforço da componente de intervenção governamental de Cavaco Silva - que melhor permite compreender as acusações, vindas de alguns sectores da direita, dirigidas aos que (soit disant) pretenderiam envolver Cavaco Silva na “trama” do BPN, mas também o “braço de ferro”, aparentemente sem sentido, do Partido Socialista na questão do Estatuto dos Açores”.

À esquerda, no “Bloco” - já que o PCP, tradicionalmente, não alinha em devaneios ou fomenta situações que pode não vir a dominar - a situação é diversa. Para além da tentativa política, puramente legal e legítima, de actuar no campo das instituições, forçando a uma cisão no PS, começa simultaneamente a assistir-se a uma certa nostalgia da rua, terreno onde, com maior facilidade, é possível forçar a mão e criar dificuldades a um qualquer governo democrático. Não a rua das manifestações legais e legítimas (como as dos professores, p. ex, concorde-se ou não com os seus objectivos) - a rua da democracia - mas uma certa atracção e quase desejo por um alastramento dos distúrbios da Grécia a outros países, ao bom estilo “esquerdista” de copycat expontâneo. Uma rua que, embora exterior ao seu directo controlo, serviria de elemento catalizador da sua capacidade política. Basta verificar a mal disfarçada simpatia com que alguma "blogosfera" acompanha o que se passa nas ruas de Atenas e Salónica, e/ou trocar impressões com quem se reconhece nesse sector político, para ouvir a referência, qual desejo mal disfarçado de aviso, ao facto de poder vir a acontecer em Portugal algo semelhante.

Ambos os cenários, no fundo, reflectem algo de semelhante: a fragilidade da chamada “sociedade civil”, em Portugal, e a sua dificuldade para gerar soluções políticas em democracia. À esquerda, isso espelha-se na incapacidade do “Bloco” assumir um discurso e práticas pós-modernas. À direita, na dificuldade sentida pelo PSD e CDS, quando afastados do poder, em assegurarem a representação institucional de interesses demasiados dependentes do Estado. Em ambos os casos, algo a exigir cuidados e que tem a ver com o atraso do país.

Sem comentários: