terça-feira, outubro 07, 2008

"Enemy at the Door", ou a WWII com gente dentro (e de ambos os lados)

Uma das boas razões para ver “Enemy at the Door”, a série da LWT que passa actualmente na RTP Memória e que por aqui já recomendei, é que raramente é objecto principal de um filme ou de uma série de TV passados na WWII a vida de todos os dias, dos cidadãos comuns perante a ocupação estrangeira, neste caso numa pequena e remota ilha (Guernsey) apesar da sua proximidade com o continente europeu, também ele sob ocupação, e com a Grã Bretanha que resiste. Aliás, essa localização, digamos assim, entre dois mundos, também já evidente na vida das Channel Islands em tempo de paz, é extremamente bem evidenciada e estará sempre presente na série. Mas, acima de tudo, o que temos não é a habitual luta heróica da resistência contra o ocupante e a brutalidade da resposta da Gestapo (não existia Gestapo nas Channel Islands), as deportações das populações judaicas, o estereótipo dos maus contra os bons – o que não significa a ausência de uma posição de princípio, claro, muito menos a existência de uma qualquer atitude pró germânica. Aqui temos um povo cercado, interior e exteriormente, sem hipóteses de levar a cabo actos heróicos, que tenta sobreviver com a dignidade possível a cinco anos de ocupação, de exclusão, de provação e até de fome. Os seus pequenos e únicos possíveis actos de resistência passiva, os pequenos gestos de rebeldia desafiando proibições, a necessidade de colaborar (e a interrogação sobre até que ponto isso será possível e legítimo sem ser confundido com traição) com o ocupante na administração do território para que tudo não se torne ainda mais doloroso e o sofrimento alastre, os pequenos dramas individuais gerados pela ocupação e pela guerra ou que esta amplifica até aos limites do suportável. Mas, também, o reconhecimento das dificuldades enfrentadas pelos alemães e pelos os seus oficiais, nomeadamente os do exército regular (Wehrmacht) por norma gente culta e civilizada, e as contradições políticas e sociais entre ele e as SS (talvez demasiado caricaturais na série). Para aqueles, um trabalho que é necessário levar por diante; para estes uma missão. Por último, o próprio isolamento social dos soldados e oficiais do exército alemão, num território onde não há uma guerra para travar, face aos “ilhéus”, duas comunidades feitas de gente, que coexistem, até talvez se respeitem no reconhecimento dos lugares específicos que cada um ocupa, mas que acabam por ser quase estanques. Apesar do passar dos anos (a série é de 1978) evidenciar aqui e ali algumas fraquezas formais que hoje seriam tratadas de uma outra forma, é uma série com gente dentro, muitas vezes, mesmo nos seus actos mais extremos e quando a cólera parece dominar, comportando-se com uma contenção admirável só presente nas séries com origem no lado de lá do canal.

2 comentários:

Vic disse...

Meu caro JC

Na verdade trata-se de uma série...fora de série. Não tenho perdido um episódio, e inclusivé, tenho-os gravado. São 26 episódios (se não estou errado), e felizmente, a RTP tem cumprido o horário e, mais importante ainda, tem transmitido os episódios na sequência original.

Abraço

JC disse...

Está correcto. Pode ver a ordem dos episódios aqui: http://www.zetaminor.com/cult/enemy/enemy_door_s2.htm

Abraço
JC