terça-feira, setembro 09, 2008

"Nunca é tarde para aprender", ou José Pacheco Pereira e a WWII

Ao afirmar, citando o livro de Norman Davies “Europe At War”, que a WWII, na Europa, “se perdeu e ganhou no confronto entre a Alemanha nazi e a URSS de Stalin” o que coloca em segundo plano a “visão da guerra como uma luta entre os estados democráticos e o totalitarismo nazi”, Pacheco Pereira tem de facto alguma razão, pese embora esta afirmação contenha em si mesma alguma desvalorização, de natureza ideológica, do papel das democracias, o que me parece pouco ou nada inocente. Se a “Grande Guerra” foi uma guerra entre impérios (dadas as ligações familiares entre as casas reinantes europeias há quem lhe chame um problema de “partilhas”), a WWII foi essencialmente uma guerra por zonas de influência. Basicamente, foi isso mesmo que conduziu à declaração de guerra à Alemanha nazi quando da invasão do semi-feudal e camponesa Polónia e à passividade relativa de França e UK perante a anexação da democrática, progressiva e industrializada Checoslováquia. Mas JPP subvaloriza aqui duas questões que reputo importantes, quando não mesmo essenciais. A primeira é que sendo a França, o Reino Unido e os USA estados democráticos, em face dessa sua natureza, e pelo menos subsidiariamente, a guerra também se travou, a ocidente, entre democracias e a Alemanha nazi, e é esse modelo de sociedade, liberal e democrático, implantado nas suas zonas de influência, que irá contribuir, mais tarde, por contraste e por via sua capacidade de atracção, para a queda das ditaduras, tanto a ocidente (Península Ibérica) como a leste. Portanto, se a guerra só foi definitivamente ganha em 1989, afirmação com a qual concordo, os alicerces dessa vitória foram efectivamente escavados pelas democracias em 1939 e, depois, em 1942 e1945.

Outra questão tem a ver com o facto de, como escreve JPP, “quando o primeiro soldado americano colocou os pés no extremo sul do continente, na Sícilia, já o exército alemão perdera toda a capacidade ofensiva face aos soviéticos, ou seja, já tinha, para todos os efeitos, perdido a guerra”. Uma incontestável verdade. Mas JPP esquece que muito antes do desembarque na Sicília (Julho de 1943) já tinha existido Al Alamein (Outubro/Novembro de 1942), essencial para impedir o acesso alemão ao petróleo do médio-oriente e com tremendo efeito moralizador nos britânicos (é a sua primeira vitória). Não refere também que a efectiva contra-ofensiva soviética no leste, depois da rendição de Von Paulus em Estalinegrado no final de Janeiro de 1943 e de o exército vermelho ter impedido o avanço nazi sobre o Cáucaso e, assim, o acesso às respectivas jazidas petrolíferas, teve essencialmente lugar a partir de Janeiro/Fevereiro de 1943, também já depois da vitória britânica em Al Alamein...

Nada disto serve para desvalorizar a importância da guerra a leste para a derrota nazi ou para pôr em causa, no seu todo, a teoria de JPP. O objectivo é apenas introduzir mais alguns dados que possam contribuir para uma percepção mais rigorosa dos acontecimentos que moldaram a Europa dos últimos 60 ou 70 anos. De qualquer modo, a Alemanha de Hitler acaba por perder a guerra quando “deixa de ser quem era”, ou seja, quando as suas forças armadas, concebidas e organizadas para a blitzkrieg, se envolvem numa guerra prolongada para a qual não estavam preparadas, nunca teriam recursos e, por isso, nunca poderiam vencer.

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