terça-feira, setembro 30, 2008

Das concepções de casamento e divórcio

Na questão do casamento, a direita, herdeira natural, mas não exclusiva, dos valores aristocráticos e com uma ligação tradicional à Igreja Católica, tende a privilegiar a instituição, a ligação entre as grandes famílias, por vezes mesmo reinantes, que o casamento representava. Era uma ligação essencialmente política e patrimonial, pelo que a sua dissolução acarretava perigos e danos evidentes. Daí a sua concepção de ser algo para a vida, uma benção de Deus que deveria permanecer muito para além de quaisquer afectos, normalmente inexistentes, e, também, a sua resistência à eliminação da questão da “culpa”, já que esta era questão relevante na partilha patrimonial e na regulação dos jogos de poder políticos. Era essa substituição dos afectos pelos interesses - e, por vezes, pelas razões de Estado - que conduzia a um mundo em que o adultério, consentido ou tolerado, era um modo de ultrapassar frustrações ou sublimações. Já para esquerda, herdeira das revoluções burguesas que geraram o romantismo novecentista, os afectos estarão em primeiro lugar, pelo que existe a convicção, apesar da influência do pensamento aristocrático ter impregnado todos um pouco e as questões patrimoniais ou políticas estejam longe de estar ausentes, de que a ausência de afectos determina inexoravelmente o fim do casamento. E, já agora, assumindo os afectos o papel central e a sua ausência causa principal para a dissolução do casamento, deixa de fazer qualquer sentido procurar ou definir um culpado, já que ninguém comanda os seus sentimentos.

Temo estarem ambos longe da realidade, já que, mesmo nos dias de hoje, não só muitos casamentos nunca tiveram nada a ver com os afectos ou continuam muito para além da sua perda, muitas vezes para sempre, como podem continuar a existir afectos ou manter-se a sua ausência de sempre e o casamento terminar, quaisquer que sejam as razões invocadas para o facto, por um ou ambos os cônjuges, mesmo que os deveres e direitos de ambos não tenham sido sujeitos a violação culposa e/ou persistente. Quero com isto dizer, alertando desde já para o facto de não ser jurista, que na vida real o casamento acaba, será talvez o único contrato em que isso acontece, quando, pura e simplesmente, um dos cônjuges manifesta reiteradamente vontade inequívoca nesse sentido. É esta a realidade do mundo e da vida, mesmo que nos digam as estatísticas que o divórcio litigioso representa apenas uma percentagem inferior a 8% (salvo erro: se erro é por muito pouco). Claro, mas o que as estatísticas não podem mostrar é que dos restantes 92% uma grande maioria, esmagadora mesmo, são falsos divórcios por mútuo consentimento, em que o cônjuge que, em princípio, não deseja o divórcio acaba por com ele com concordar para que este não se eternize, arrastando sofrimento, para ambos e eventuais filhos, adiamento de decisões patrimoniais e de pensão de alimentos, etc (penso não valerá a pena continuar, pois a lista das penalizações seria longa).

Bom, que quero eu concluir com isto? Apenas que qualquer posição realista e não hipócrita perante o casamento e a sua dissolução, vulgo divórcio, terá de se centrar nesta questão, demasiado pertinente para ser evitada por questões de oportunismo ou cobardia ideológica ou política: o “divórcio a pedido” - isso mesmo, sem medo de dar o nome às palavras - centrando-se a missão do Estado e dos Tribunais naquilo que é realmente importante: a defesa dos filhos e da equidade entre os cônjuges face à contribuição de cada um durante o tempo de vida em comum e em perspectiva da sua vida futura após o divórcio. O resto é passar um pouco ao lado da realidade, mesmo que se avance, aqui e ali, num sentido considerado positivo.

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