sexta-feira, novembro 02, 2007

Classes sociais e escolha da escola

Por muito que se diga o contrário ou se tentem camuflar as verdadeiras razões da decisão, para quem tem possibilidades de o fazer, a escolha da escola, pública ou privada, ou uma qualquer de entre estas, tem muito mais a ver com uma questão de meio social e valores do que com a qualidade efectiva do ensino aí ministrado. E, diga-se, isto nada tem de “mal”, já que é perfeitamente legítimo que uma família, que o possa fazer, queira ver prolongada na escola a educação, ambiente, vivência, etc, que os filhos tenham em casa. Já era assim quando eu era aluno, e o normal era os filhos das classes mais altas frequentarem o ensino privado na primária (que correspondia então ao ensino obrigatório) não só porque desse modo “não se misturavam” nem se expunham ao “choque” classista (e a diferença de “classes”, linguagem, modo de vestir e comportamento era então bem mais vincado) como, não existindo ensino infantil do estado e sendo comum os filhos das famílias que o podiam fazer frequentá-lo desde os três ou quatro anos, não faria sentido mudarem quando chegassem à 1º classe. Nada que tivesse que ver, portanto, com a qualidade do ensino “oficial” que, me lembro, não estaria minimamente em causa. Uma vez chegados ao secundário (já não obrigatório) o panorama era radicalmente diferente, já que a maioria dos alunos oriundos da “escola oficial” - os das classes mais baixas - ou ia para a “escola técnica” aprender uma profissão ou, pura e simplesmente, deixava de estudar. Este era o panorama na minha geração, com poucas excepções, e devo dizer que, dos amigos e colegas de estudo e brincadeira de infância, apenas me lembro de um que tinha frequentado a escola oficial na primária e as excepções que passaram por escolas privadas no secundário tinham-no feito principalmente em escolas de “nacionalidade” ou católicas (neste caso, principalmente raparigas), por motivo de ascendência nacional ou opção de educação religiosa. Do mesmo modo, e restringindo-me ao ensino público, nenhum dos meus amigos de infância frequentou o “Passos Manuel” ou o “Gil Vicente” – nem que para o evitar fosse necessário recorrer a cunhas ou moradas de familiares - liceus situados em zonas de bairros populares, mais pobres, e cuja frequência reflectia essa mesma realidade. Não me consta o ensino fosse de pior qualidade ou a indisciplina, em plena ditadura, por lá grassasse.

O panorama, no que diz respeito à decisão sobre a frequência de uma escola, não se terá alterado assim tão radicalmente, apenas com a diferença de que a escolaridade obrigatória é agora de nove anos, o que “estende” até ao 9º ano a equação dantes enfrentada e resolvida para apenas quatro anos. Por exemplo, os meus filhos frequentaram colégios privados até ao 9º ano e, de seguida, completaram o secundário e a universidade em escolas públicas, num caso (UCP - Lisboa), digamos, semi-pública.

Reduzir a decisão de “escolha” da escola apenas à questão da “qualidade” do ensino de per si – como se essa qualidade constituísse uma entidade teórica isolável de todos os outros parâmetros -, expressa através da respectiva posição nos rankings (atenção: não sou contra a sua existência), sem ter em conta todas as outras questões em que uma decisão desse tipo normalmente se baseia, a maioria delas de carácter "social", é portanto uma falácia, tanto quanto o será pensar que uma escola pública onde a qualidade de ensino assim considerada seja excelente, independentemente de onde se localize ou quem maioritariamente a frequente, verá a si acorrerem milhares de alunos, oriundos das classes altas, ansiosos por tal experiência.
Alguma seriedade na discussão, pede-se...

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