segunda-feira, outubro 08, 2007

A Polónia e José Manuel Fernandes

Pois estava eu deprimido, triste e macambúzio sem saber que destino dar hoje ao “Gato Maltês”, quando, de repente e graças ao “Público”, companheiro fiel que nunca me deixa ficar mal, dou com este suculento naco de prosa assinada por, nem mais nem menos, o seu director, José Manuel Fernandes (JMF), e sobre uma sua visita à Polónia. Como se dizia em tempos, passo a citar:

“Mais: o crescimento económico e a emigração quase acabaram com o desemprego e, para construir as auto-estradas que a UE financia, há empresas a recorrer a imigrantes asiáticos. Como é isto possível? Talvez porque poucos povos sofreram como os polacos nos últimos dois séculos, e nenhum sofreu tanto na II Guerra, que dizimou um quinto da população. Só que também poucos se reergueram tantas vezes, e nenhum o fez de forma a abrir a brecha que faria ruir o mundo comunista. Terem atravessado tantos "vales de lágrimas" e de novo estarem a mostrar que estão vivos, inquietos e determinados, fazendo com que vozes tão distintas os vejam como exemplo a seguir, permite aos polacos terem, pelo menos, direito a que lhes concedamos o direito de tratar dos seus problemas políticos, sem pressões externas.”

Bom, passemos ao lado da prosa estilo “fazer chorar as pedras da calçada” e da análise sobre a história polaca capaz de ter sido escrita, ou dita, referência à queda do comunismo à parte, como é óbvio - a não ser que tivesse dons de pitonisa -, por qualquer dona de casa burguesa dos anos cinquenta ou sessenta, versada em piano e em francês, depois de uma leitura rápida do "Paris Match" e no intervalo do chá e da canasta com as amigas. Passemos, pois.

Mas mais difícil será passar ao lado de outras duas afirmações de JMF. Em primeiro lugar, quando afirma que “o crescimento e a emigração quase acabaram com o desemprego”. Pois é, isto de crescimento económico por via da construção de auto-estradas (e outras obras públicas) também já tivemos por cá e, a mim, leitor atento de JMF, não me consta que nos tenha conduzido muito longe nem que JMF esteja muito satisfeito com o resultado. É que já o li, e bem, a contestar o novo aeroporto de Lisboa e o modelo de desenvolvimento que está na sua base... Mais ainda, solucionar o problema do desemprego com recurso à exportação de cidadãos também não só não me parece ser lá grande ideia (os ditos cidadãos talvez não gostem lá muito) como também já se viu por cá, nos anos sessenta, acrescentando-lhe ainda a guerra colonial para dar uma ajuda a essa mesma exportação (os que iam para a guerra e os que não queriam ir). Ah, e também já se viu na Irlanda, no século XIX, e por aí fora. Qual a perspectiva histórica de JMF sobre o assunto?

Mas pior, pior ainda, é quando JMF pede que se atribua aos polacos o direito de tratarem dos seus problemas políticos sem pressões externas, leia-se, serem estado-membro da União sem “Tratado Constitucional Europeu”, sem” Dia Europeu contra a Pena de Morte” e com o seu ultra atlântismo militante – e tudo o mais. Sabemos bem das posições políticas de JMF face à UE, e por aí fora, mas será que JMF conhece algum estado, algum mesmo (não vale dizer St. Kitts and Nevins – e mesmo assim...), que tenha direito a tratar dos seus problemas políticos sem pressões externas? Ainda por cima, quando se é membro de uma instituição como a UE – ou a NATO, ou a OCDE, ou, ou... Mas digam lá, não era isso mesmo que pediam os comunistas, cá do burgo e de outros burgos, quando bramavam contra as “interferências do imperialismo” durante o PREC? Ou será que JMF também não quer sujeitar a pressões os presidentes Hugo Chavez, Fidel Castro e etc? Ou o Estado de Israel, que até é uma democracia, para que reconheça os direitos dos palestinianos? Mau exemplo este último: é que, em face das suas posições, se calhar não quer mesmo!

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