quinta-feira, outubro 18, 2007

A "Guerra" de Joaquim Furtado

Do que gostei mais e menos na “Guerra” de Joaquim Furtado:

+ Um certo despojamento como “mood & tone” da série. Será assim que imaginamos a guerra, crua, sem lugar a artifícios, directa e brutal. Sem footage para “preencher” tempo. Os depoimentos são directos, tanto quanto possível, apresentando os depoentes contra um fundo neutro, indiferente, que acentua e enfatiza apenas o que é dito.

+ Talvez pela primeira vez, de forma bem explícita foi focada a interferência directa dos USA no levantamento da UPA, o que era bem conhecido mas pouco mencionado. Penso igual enfoque irá ser dado ao relacionamento MPLA/URSS.

+ A grande preocupação de rigor e neutralidade, que o referido despojamento acentua, embora por vezes essa preocupação acabe, ironia, por se revelar parcial: por muito que nos custe admitir, não são iguais, para a maioria dos espectadores portugueses, depoimentos de angolanos pretos, ligados aos movimentos de libertação, expressos num português menos perfeito aos nossos ouvidos, e de portugueses ou angolanos brancos, perfeitamente perceptíveis num português sem sotaque. Também os mortos não serão todos iguais...

? Estranho, uma vez que se escolheu a apresentação dos acontecimentos através da cronologia, a ausência de referências ao 4 de Fevereiro (ataque às prisões de Luanda por militantes do MPLA, para libertação dos presos políticos). É um acontecimento de importância relevante, que acaba por impor à UPA a necessidade de agir rapidamente para não ser ultrapassada no terreno pelo MPLA, ligado à URSS e dirigido pela elite política e cultural angolana, negra, formada em Portugal e pelo PCP. O assunto pode vir a ser eventualmente focado quando a série se debruçar sobre o início da actividade de guerrilha deste movimento, não sei.

- A preocupação de restringir os depoimentos aos intervenientes na guerra, de um e outro lado, deixa de fora a oposição portuguesa, republicana e comunista, que no regime ditatorial de então não poderia ter qualquer intervenção directa nas operações e na diplomacia, abdicando assim de um ponto de vista relevante. Não sei se será assim em próximos episódios, e também se, enquanto directamente intervenientes na guerra, se dará voz a desertores e prisioneiros de ambos os lados.

- Mesmo deixando de fora, por motivos lógicos, as chamadas “guerras de pacificação”, travadas em Moçambique e na Guiné nos finais do século XIX e início do século XX (que provam que Portugal não impôs o seu domínio de forma pacífica), a guerra colonial começa, de facto, com os movimentos “satyagrahis” no “Estado da Índia” nos anos cinquenta do século XX, prenunciando a invasão de Dezembro de 1961. Teria sido interessante uma referência, até porque a questão é premonitória do que espera Portugal nas suas colónias - o que põe a nú a incúria do regime -, e não pode ser separada do enquadramento político internacional da época, que é referido na série.

- No primeiro episódio faltou enquadramento social e histórico que permita melhor explicar os contornos da revolta e da violência dos massacres, bem como o facto das diferentes etnias terem nele participado de forma desigual. Como viviam (e conviviam) as várias etnias angolanas e os colonos? Como era a estrutura colonial? Qual o estatuto de cada uma? No fundo, percebemos contra quem se revoltaram alguns angolanos, mas porquê esses e não outros, e o que justificava tanta violência?

Aguardemos, com expectativa, os próximos episódios... mas saudemos desde já o primeiro. Em conjunto com a série de António Barreto e Joana Pontes "Portugal - um retrato social", é, desde já, um dos "momentos" de televisão dos últimos anos.

2 comentários:

LPA disse...

não será ainda cedo de mais para crítica tão afirmativa?

LPA

JC disse...

Caro(a) Ipa: a cr�tica refere apenas o 1� epis�dio, e n�o tive oportunidade de ver, hoje, o 2�. Eu pr�prio coloco algumas interroga�es em rela�o aos futuros epis�dios, como a que se refere ao 4 de Fevereiro. No final da 1� s�rie, voltarei ao assunto. Mt� obrigado pelo seu coment�rio.
JC