segunda-feira, agosto 20, 2007

Treze boas razões (porque é o número do azar) para a crise do futebol do Benfica

  1. Não querendo ir muito “lá para trás”, aos tempos de Vale e Azevedo, Damásio e até de Fernando Martins (que acordou com o FCP um tecto salarial catastrófico para o Benfica e trocou uma equipa de futebol por um estádio para 120 000 pessoas quando o tempo da televisão já se adivinhava e a época dos estádios mais pequenos e com maior conforto era previsível), a crise actual do meu clube começa com a eleição de Vilarinho, um testa de ferro de uma coligação de interesses heterogénea sem qualquer projecto para o clube excepto o de retirar o poder a Vale e Azevedo, o que ficou de imediato demonstrado com a entrada em cena de um tal Vítor Santos (Bibi), primeiro, e de Luís Filipe Vieira, depois.
  2. A ausência de um projecto para o futebol e a casuística gestão de recursos humanos ficou logo bem patente nas aquisições de um desconhecido André e na integração forçada de Roger numa equipa que, com Toni, jogava em 4x4x2 e, logo, onde um jogador com as características do brasileiro não tinha lugar. Seguiu-se, quase de imediato e sem ninguém perceber muito bem porquê já que o problema fundamental era a gestão de Vale e Azevedo e não todo plantel ou alguns dos seus jogadores com provas dadas, o desmantelamento quase imediato da equipa-base de então, com a venda de Calado, João Tomás, Van Hooijdonk, etc.
  3. Aliás, a ausência de um projecto para o futebol e, logo, de uma estratégia clara de gestão de recursos humanos ficou desde cedo bem patente, apesar de algumas contratações bem conseguidas (Ricardo Rocha, Simão, Tiago, Luisão, Miccoli – este com o problema de “precaridade” de ser um empréstimo). Face a um Sporting que apostava claramente num modelo que privilegiava a formação e a um FCP que procurava valorizar essencialmente recursos escolhidos no campeonato português e alguns na formação (Ricardo Carvalho, Deco, Paulo Ferreira, Derlei, Maniche, Costinha), nunca se entendeu muito bem qual o “modelo” do Sport Lisboa e Benfica nesta área. O que se passou com a troca Marchena/Zahovic, descapitalizando o plantel, e o que se tem passado com a “novela” dos guarda-redes é disso um perfeito sintoma.
  4. O problema da gestão de recursos humanos torna-se ainda mais caricato quando falamos dos poucos elementos oriundos da formação: Miguel, Maniche, Moreira e Manuel Fernandes. Com excepção de Moreira (tratado com “os pés”) todos eles abandonaram o plantel em situações de maior ou menor conflitualidade e, em parte com a excepção de Manuel Fernandes, sem a devida compensação financeira.
  5. Sendo o Benfica uma equipa que tem obrigatoriamente de jogar em ataque continuado em 95% dos seus jogos, só no ano passado (com Fernando Santos, mas também com Rui Costa, Katsouranis e Simão mudado de lugar) consegue ter um plantel que lhe permita adoptar este modelo de jogo, apesar de lhe faltar presença na área. Aliás, não se entende porque só anos depois da venda da dupla João Tomás/Van Hooijdonk, o Benfica consegue (?) encontrar um novo homem de área (Cardozo), ressalvadas as dúvidas ainda existentes (é lento, não “rasga” e, apesar da sua envergadura física, parece “macio”).
  6. A “novela” Mantorras é outro sintoma do que foi dito, e não me refiro à sua lesão já demasiado glosada. No primeiro ano de Mantorras no Benfica, e antes dessa mesma lesão, o clube colocou nos ombros de um jogador muito novo, sem “escola”, com deficiências técnicas e tácticas visíveis e que vinha de um clube sem projecção (Alverca) a responsabilidade de acarretar com a ambição de uma equipa e com o peso, prestígio e tradição de um clube. Foi um erro tremendo que o jogador pagou bem caro – e o clube também. Depois da sua lesão, a novela arrasta-se, pois Mantorras não tem condições para jogar num clube como o Benfica e constitui-se, assim, num elemento de instabilidade e perturbação.
  7. Por falar em recursos humanos, que dizer do “autocarro” de jogadores contratados ao Alverca? Independentemente do descrédito que suscitou, dentro e fora do clube (até no balneário isso deve ter sucedido), o assunto mereceria, pelo menos, uma investigação mais aprofundada das entidades competentes.
  8. Desde o início, a direcção optou por uma política de comunicação que privilegiava o populismo e a agitação em detrimento do rigor e da seriedade, falando preferencialmente para as camadas mais iletradas e menos sofisticadas dos associados do clube. Ora o futebol é, hoje em dia, uma actividade profissional, em que os sócios são cada vez menos um factor decisivo na gestão de um clube, os jogadores já não são os “coitadinhos” de antanho e um bom desempenho depende muito de patrocinadores, financiadores e empresários. Assim, uma política de comunicação como a adoptada em nada contribuiu para a coesão e confiança entre o clube e todos os seus stakeholders, mormente jogadores, equipa técnica e financiadores. Mas podemos esperar que uma galinha dê leite ou uma vaca ponha ovos?
  9. A mais do que provável saída de Simão, em função dos antecedentes, não foi bem preparada. Ou melhor: nem bem nem mal, não foi. Claro que seria sempre muito difícil encontrar um jogador como Simão no mercado, financeiramente acessível, mas, neste caso, a saída era previsível há muito, havendo tempo suficiente para conceber e ensaiar um modelo de jogo, com alguns outros intérpretes, que tornasse a equipa menos dependente de um só jogador, por muito influente que este fosse.
  10. Se, no campo restrito da gestão do futebol do clube, algo deve ser levado a crédito desta direcção isso foi, durante algum tempo, uma relativamente criteriosa escolha de treinadores. Camacho, Trapattoni e Koeman são figuras conhecidas do futebol internacional, com algum “mundo” e personalidades vincadas, prestígio enquanto jogadores internacionais de topo em campeonatos competitivos e, no caso de Trapattoni, com um curriculum invejável enquanto técnico. Neste cenário, a escolha de Fernando Santos, não estando em causa a sua competência técnica, é um erro de casting. Não foi jogador de alto nível, tem pouco “mundo”, falta de carisma e pouco conhecimento do futebol internacional. Para além disso, pouca aceitação junto dos sócios, o que até pode ter dado algum jeito a LFV e à direcção que terão ali encontrado um “bode expiatório” - papel ao qual, aliás, Fernando Santos se prestou sem um estremecimento que fosse. Principal responsável? Longe disso, como temos visto, até porque alguém o escolheu.
  11. Conforme aqui mesmo afirmei, ao trocar jogadores experientes do futebol europeu (Miccoli, Simão, Karagounis e até Ricardo Rocha) por jogadores de segunda linha e jovens promessas sul americanos, alguns chegados já tarde e outros (Stretnovic e Andrés Diaz) ninguém sabe bem porquê, LFV escolhia uma estratégia de risco, com todas as condições para fracassar. Por isso, ao afirmar que qualquer treinador se sentiria feliz com o plantel do Benfica, LFV estava a oferecer, se tudo corresse mal, Fernando Santos em imolação com o consentimento deste, que deveria ter-se demitido de imediato. Assim, imolou-se mais cedo do que todos estaríamos à espera. A partir de agora (com Camacho?) resta a LFV passar a dar o corpo ás balas.
  12. Na época passada (disse-o a seguir ao jogo com o F.C. Copenhaga), a única dos últimos anos em que o Benfica finalmente abandonou o modelo de contra-ataque, eram Simão e Miccoli (também Karagounis) que criavam os desequilíbrios no último terço do campo. O meio-campo funcionava essencialmente como elemento encarregue da contenção e circulação de bola. Na ausência daqueles, e, agora, com uma referência de área (Cardozo), o meio-campo tinha de passar a ter um papel desequilibrador, precisando para isso de jogadores de outro tipo (e até, talvez, de um outro sistema de jogo). O único jogador com características para isso (Manuel Fernandes) viu o seu passe negociado na véspera do primeiro jogo oficial da época.
  13. Não falo sobre o affaire Veiga; já outros disseram tudo. Por isso, resta-me falar da extraordinária passividade da esmagadora maioria dos sócios e adeptos do Benfica, durante os últimos anos, secundados por uma comunicação social colaborante para não dizer cúmplice. Sim, eu sei que o clube recuperou alguma respeitabilidade (alguma, note-se) e também parte da sua credibilidade financeira. Sei também que é tempo de ressaca da gestão Vale e Azevedo (e de Damásio, convém não esquecer). Mas, que raio, isso não explica e desculpa tudo, principalmente quando esta direcção gozou de condições únicas e priveligiadas para exercer os seus mandatos: inexistência de oposição e cumplicidade mediática.

2 comentários:

LEÃO DA ESTRELA disse...

Com uma estrutura directiva dependente dos humores de um presidente esforçado e sem resultados desportivos, o Benfica continua em queda lenta, mas gradual. A verdade é que, neste século XXI, com oito campeonatos já disputados, o Benfica já está muito atrás do Sporting e do FC Porto: tem menos títulos, menos vitórias, menos golos marcados, mais golos sofridos e menos pontos. Num total de 269 jogos deste século, o FC Porto lidera a classificação com 598 pontos e quatro títulos; o Sporting é segundo, com 550 pontos e dois títulos; e o Benfica segue em terceiro, com 535 pontos e apenas um título. Significa isto que o grande Benfica com mais campeonatos e mais taças do que os outros não passa de uma memória cada vez mais distante.

JC disse...

Pois tem razão, meu caro Leão da Estrela, tem toda a razão. Digo-o com pena, claro. Mas parabéns ao seu clube, que parece ter um rumo e uma estratégia bem definidos.
Cumprimentos e obrigado pela visita.