quarta-feira, janeiro 17, 2007

Ainda "The Flags Of Our Fathers" - mais Rui Ramos, o Vietnam e o Iraque

Num interessante artigo publicado no “Público” de hoje (não linkável), e a propósito de “Flags Of Our Fathers”, Rui Ramos interroga-se sobre as razões que explicam as diferenças de comportamentos entre Iwo Jima, por uma lado, e o Vietnam e o Iraque, por outro; isto é, sobre o que terá havido em Iwo Jima e faltado no Vietnam e no Iraque. Penso que, de uma forma simples, existe algo que explica essas diferenças: vinte e cinco anos, no primeiro caso, e sessenta, no segundo. Expliquemo-nos melhor. A WWII é a última guerra dos nacionalismos, quando a “identidade nacional” era o cimento ideológico estruturante da guerra. No Ancien Régime – e Rui Ramos foca isso mesmo – a gerra era feita por profissionais. No entanto, Rui Ramos não acrescenta que esses eram a aristocracia, os "senhores" da terra, que para os seus exércitos “arregimentavam” aqueles que a cultivavam e que lhe deviam obediência. Era uma relação de “amo” e “servo”, e a razão para ambos lutarem era simples: a aristocracia, se perdesse, arriscava-se a perder as suas terras (a seguir a Aljubarrota, por exemplo, as terras dos nobres que lutaram do lado de Castela – e foram a maioria – foram distribuídas pelos fiéis do Mestre de Aviz, como D. Nuno Álvares Pereira) e os servos lutavam pelos seus senhores, a quem deviam obediência, que tinham sobre si o poder da vida e da morte. Se o seu senhor vencesse, poderiam daí retirar alguns benefícios; o contrário aconteceria se o seu senhor perdesse. De qualquer modo, lutavam porque essa era a sua única opção, e no campo de batalha, se saíssem com vida, ainda teriam alguma hipótese. Com a queda do Ancien Régime, a relação senhor/servo é substituída pela de pátria e cidadãos, e nasce o exército de “todo o povo” – “o povo em armas” -, com o recrutamento geral de cidadãos livres. O nacionalismo será, assim, o seu cimento ideológico, defendendo os “cidadãos” a sua “pátria”, identificada com o seu “modo de vida”, a sua cultura, a sua liberdade, pois sabem que o domínio do seu país pelo “estrangeiro” corresponderá necessariamente à sua subalternização, dependência e empobrecimento. À modificação e menorização dos seus hábitos de vida, mesmo. Mesmo quando os europeus, no século XIX, combatem e morrem pelas "suas" colónias, em África, é a superioridade das suas nações e dos seus impérios que está em causa, na medida em que isso significava o direito ao enriquecimento económico e subsequente bem estar do qual, embora de modo desigual, todos beneficiariam. O “fardo do homem branco” era, neste caso, cimento ideológico adicional, mas também as colónias constituíam um mundo de oportunidades para aqueles que não as tinham nos seus países de origem. È talvez na Inglaterra dos anos vinte do século passado que esta questão é pela primeira vez posta em causa, quando, na sequência da Grande Guerra vitoriosa, a aristocracia vê que a vitória lhe começa a custar o seu “modo de vida” (os “seus melhores” morrem na guerra) e a working class vê as suas condições de vida agravarem-se. É um pouco tudo isto que está em causa nas hesitações dos britânicos nas vésperas da WWII, procurando a paz a todo o custo. O britânicos desconfiam da guerra – dos benefícios que lhes possa trazer - e ninguém, aristocracia ou working class, está muito na disposição de a travar.

A interdependência entre estados, a velocidade de circulação de pessoas, bens e informação, a urbanização crescente tornando homogéneos os “estilos de vida” das nações e, mais tarde, a globalização, fazem desabar o nacionalismo como ideologia e tornam obsoletas as guerras entre nações. Por outro lado, o neo-colonialismo e a “influência” tornam as guerras coloniais resquícios de um passado distante, onde já não nos reconhecemos. A tecnologia, por outro lado, torna o custo das guerras globais incomportável e o das guerras locais difícil de suportar e de se justificar. Poucos já se reconhecem no nacionalismo, e ninguém pensa que as guerras possam melhor as suas vidas. Entretanto, o exército já não é o de “todo o povo”, mas o profissional, treinado e pago, por vezes visto como um corpo estranho pelos seus concidadãos. Por último, a guerra entra-nos em casa, em directo, sem a mediação de fotografias como a de Iwo Jima. Foi isto que mudou nos vinte e cinco e sessenta anos que medeiam entre a WWII e o Vietnam e o Iraque. Foi por isto, Rui Ramos, que falhou a glorificação da soldado Jessica Lynch, ou melhor, foi isto que tornou impossível essa mesma glorificação, como tornará agora qualquer outra semelhante. É também isto que tornará Iwo Jima e a fotografia do monte Suribachi irrepetíveis.

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