domingo, dezembro 10, 2006

Do (meu) "Chiado" e da (minha) nostalgia.

Desde que abriu a FNAC, onde invariavelmente despacho 90% dos presentes de Natal, que passei a frequentar o Chiado com assiduidade redobrada, o que sempre me remete para alguma nostalgia de infância e juventude principalmente nestas épocas de Natal. Fraquezas? Nesse tempo (“the past is a foreign country: they do things differently there”) ia por vezes ter com o pai ao fim da tarde, ao edifício da Rua Garrett que também tinha entrada pela Travessa do Carmo para onde deitavam as janelas do gabinete (no 25 de Abril puseram lá uma metralhadora a apontar para o quartel da GNR), e não raras vezes acabávamos por descer ao “Nicola” onde nos juntávamos à tertúlia do Belenenses que, segundo o meu pai, tinha contado anos antes com a presença frequente de Américo Tomás, quando ainda ministro da Marinha, “belenense” indefectível. Se ia a família toda, por vezes "calhava" jantarmos na cave do mesmo “Nicola", onde existia um groom (era assim que se dizia) - o “Barata” - que era do “Atlético” (imagine-se!) e invariavelmente perguntava se o meu pai já era presidente do “Belenenses” ou administrador da companhia onde trabalhava! Mas o que mais me fascinava nestas incursões pela antiga taberna de Manuel Maria eram os “rolinhos” de manteiga, postos na mesa em pequenos pratos, e o facto de o meu pai pedir sempre um café “de lá de cima”, que era de “saco” e não “expresso”. O lado negativo da "excursão" eram as esperas intermináveis no alfaiate, que usava um emblema de “brilhantes” do “Belém” na lapela e onde me lembro de conversas prolongadas de meu pai com Miguel Di Pace, que vim a saber um dos melhores jogadores de futebol que terá passado por Portugal e pelo "Belenenses". Parece que era rico, e por isso oferecia-se para ser o último a ser pago quando a tesouraria “apertava” lá para os lados de Belém!

Mais tarde, já na adolescência e início da idade adulta, era o tempo de perguntar se a “conta” dos “Monteiros” ou do alfaiate (havia conta corrente em ambos, que se pagava mensalmente consoante as disponibilidades da ocasião) permitia o fato que fazia falta ou as vaidades nos impeliam a comprar. Lembro-me de a compra do meu primeiro tweed, teria para aí uns doze anos, ter sofrido forte influência de compra idêntica do então Príncipe Juan Carlos, na altura já nos vinte e tais, informação subliminarmente avançada pelo Sr. Raúl a quem sempre nos dirigíamos. A tertúlia do “Belém” era então já uma saudade, passada a época das poucas glórias, e, por isso, depois de uma paragem na “Bertrand” ou na montra da “Piccadilly”, local de compra de gravatas e guarda-chuvas, lá seguíamos directamente para o carro, chave entregue aos cuidados do Sr. Augusto do Largo do São Carlos.

Aqui há bem poucos anos, já bem adulto e pai de família, entrei numa pequena engraxadoria da Rua Garrett e fui surpreendido por pergunta fulminante: “desculpe, não é filho de fulano de tal?” Pois, bem me parecia, é tão parecido com o seu pai! Sabe, ele antes de se reformar vinha cá quase todos os dias engraxar os sapatos...” Desci a Rua do Carmo e entrei directamente na “Luvaria Ulisses”, o único sítio do mundo onde ainda hoje consigo comprar luvas...

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